São Paulo, 21 (AE) - Quando Mario Pedrosa falou pela primeira vez do Museu das Origens, em 1978, as "imagens do inconsciente" já estavam incluídas no projeto que previa mostrar uma síntese da arte brasileira e que serviu de primeiro alicerce para a Mostra do Redescobrimento.
O conjunto de mais de 300 obras do módulo "Imagens do Inconsciente", expostas no Pavilhão da Bienal, representam, por essa razão, uma reafirmação da importância das obras criadas em confinamentos psiquiátricos na história da arte brasileira. Mais que isso, a mostra é um reconhecimento importante da luta de Nise da Silveira (1906-1999), que participou da montagem até sua morte, em outubro. Luta continuada pelo grupo crescente de psiquiatras e psicanalistas que prosseguem com a bandeira da humanização no tratamento de pacientes com distúrbios mentais, alguns deles representados na exposição.
Pacientes como Fernando Diniz e Emygdio de Barros estiveram sob os cuidados da psiquiatra alagoana e hoje participam da mostra em grandes salas especiais. "É uma emoção muito forte ver isso tudo montado", disse Luiz Carlos Mello, conhecido como Lula, curador da mostra e atual diretor do Museu de Imagens do Inconsciente - fundado pela médica no hospital carioca em que atuou durante três décadas.
Lula, que acompanha o trabalho de Nise há quase 30 anos, acompanhou o acervo em exposições significativas, mas acredita que essa exibição funcionará como um novo estímulo no reconhecimento da mensagem de vida da psiquiatra que substituiu eletrochoques pelo estímulo à criatividade.
O curador reuniu obras não só do museu localizado no Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II (onde funciona o Museu de Imagens do Inconsciente, que está passando por reformas para receber também a memória de sua fundadora), mas também de outros acervos, como o Museu Osório César, no Complexo Hospitalar Juqueri, ou do Instituto Juliano.
Do último, a Bienal tomou emprestada uma série de trabalhos de Arthur Bispo do Rosário, que mesmo não tendo sido tratado por Nise tem sua criação até hoje ligada à psiquiatra. Dezenas de objetos criados por ele (alguns em suas reclusões) foram reunidos em uma única sala, da mesma forma que obras de Aurora Cursino dos Santos, Rafael Domingues e Carlos Pertuis.
A força dessa reunião é tanta que Daniela Thomas, que não conhecia o conjunto, mudou a idéia inicial da cenografia pensada para o espaço. No lugar de imagens "esquisitas" que, de acordo com ela, foram as primeiras pistas para a intervenção, a cenógrafa optou por apenas colorir e dar formatos sutis às salas. A de Bispo, por exemplo, Daniela pintou de branco, a cor da cela onde ele criou boa parte das obras que podem ser vistas até setembro, no Parque do Ibirapuera.