Idades da vida: uma jornada no tempo
A Uteridade não só é a primeira como também a única em total escuridão
PUBLICAÇÃO
sábado, 31 de agosto de 2024
A Uteridade não só é a primeira como também a única em total escuridão
Domingos Pellegrini
Antes ao poente eu falava “mais um dia”, agora falo “menos um dia”. Cheguei à idade em que posso rever todas as idades anteriores, mesmo a que não vi, no útero, até porque os olhos ainda se faziam
A Uteridade não só é a primeira como também a única em total escuridão, embora com som, o coração da mãe ecoando. E é quando, em nove meses, passamos por toda a evolução de invertebrado para vertebrado (daí porque os nascituros são peludinhos como éramos há uns poucos milhões de anos).
Da Nenidade, a idade dos nenês, também nada lembraremos, vivendo no berço ou no colo, mamando e enchendo fraldas, dando a pensar como, criando nenês sem fraldas e sem água encanada, foram heroínas as primitivas mães humanas.
Ainda nada lembraremos do dia em que deixamos o colo e descobrimos o chão com os joelhos e as mãos, rastejando na alegria de se mover sozinho, ou o dia em que viajamos engatinhando da sala até a cozinha.
Daí vem a Bipidade, depois da revolução de se levantar sem ajuda, e levar um pé pra frente, depois outro, ganhando o primeiro tombo e a descoberta se ser bípede e poder andar!
Passamos então pela escola dos tombos, que funciona a qualquer hora e onde as surpresas e as dores são as professoras.
Chegamos depois à Palavridade, a idade que começa com as primeiras sílabas que falamos, começo da linguagem, que nos tornou humanamente possíveis; e as primeiras sílabas serão repetidas: ma-ma, pa,pa, vovô, cocô...
Igualmente não lembraremos de quando aprendemos as primeiras palavras, nem de nossa estreia social, a nossa primeira frase; e dessa idade tão outrórica guardaremos poucas cenas como lembranças históricas (lembro de deitar no pedal da máquina de costura de minha mãe).
Mas já chegamos à Meninidade, a idade dos brinquedos e brincadeiras, bolas e bambolês, a meninice com os primeiros amigos de rua e colegas de creche. A idade de correr, pular, chutar, jogar, machucar-se de chorar e ainda chorando voltar a brincar. É também tempo de muitas cicatrizes no corpo e ne alma, as primeiras rejeições, frustrações, decepções, mas também muitas lições.
Começa depois a Escolaridade, na escola onde descobrimos A Turma. E a turma nos divertirá e encantará tanto quanto exigirá e doerá, mas com a turma aprenderemos a somar as diferenças, descobrindo a escola como barco em que todos remam juntos cada um para seu porto.
Chega-se assim à Civilidade, com RG e CPF, podendo votar e até ser votado, viver ou sofrer a política, querendo consertar a sociedade e melhorar o mundo, ou se conformando ou se vingando com voto branco ou nulo.
Daí é também a Realidade de ganhar a vida, botar comida na mesa, as contas sempre a chegar.
Em seguida chega-se à Meidade, a idade de viver a vida já com o gostinho de saber que passa, como as primeiras rugas lembrarão. É quando os desastres ensinam, colhe-se arrependimentos, que podem ensinar ou amargurar, e passa-se a amar os bons momentos.
E então será a Senilidade, no final da rota praquele porto onde não se quer chegar, e por isso mesmo dá mais gosto viajar, repetindo todo dia: curta tua idade enquanto é tempo!