Aos 22 anos, o jovem Eliseu de Oliveira ajudou a derrotar o nazismo durante a Segunda Guerra Mundial. O soldado brasileiro, de São José dos Campos, no interior paulista, integrava a Força Expedicionária Brasileira, a FEB, e desembarcou na Itália em 1944 para combater as tropas de extrema direita.

Antes de ser preso e levado para um campo de concentração, colaborou na captura de cinco alemães do exército de Adolf Hitler. Morto em 2012, sua atuação heroica lhe rendeu uma condecoração.

No trajeto de trem para o campo, suportou com os demais prisioneiros os vagões lotados e com fezes até as canelas. Agora, sua história é retratada na HQ "Elísio: Uma Jornada ao Inferno", do quadrinista estreante Renato Dalmaso.

O termo "elísio" está relacionado aos Campos Elísios da mitologia grega, local do mundo dos mortos, governado por Hades, para onde iam os homens corretos após a morte.

"O tema de guerra sempre me inspirou, não que eu goste da guerra propriamente dita. Sou pacifista nato. Porém, é um assunto que acaba trazendo reflexões. São situações de extremos. A guerra é a pior coisa que pode acontecer com o ser humano", diz Dalmaso.

Quando optou por roteirizar e desenhar uma história em quadrinhos sobre a Segunda Guerra Mundial, decidiu que abordaria a participação do Brasil. Afinal, são incontáveis os filmes e livros sobre o protagonismo dos Estados Unidos, por exemplo.

Por isso, Dalmaso decidiu retratar a atuação da FEB, que contou com mais de 25 mil pracinhas brasileiros na luta contra o nazifascismo. O artista escolheu narrar uma história real, e não apenas inspirada no contexto histórico.

"Tinha essa ideia de fazer sobre a FEB, mas não tinha uma história definida. Tentei criar uma própria, mas não ficou tão bom. Comecei a pesquisar e acabei me deparando com a história do Eliseu e vi que daria uma HQ espetacular", conta.

A trajetória de Eliseu, que chegou a comer sola de sapato para enfrentar a fome no campo de concentração, foi registrada em entrevista ao jornalista Altino Bondesan. A conversa também serviu de base para a monografia do historiador Douglas Almeida, que assina o posfácio da obra.

Uma das cenas mais dramáticas desenhadas por Dalmaso é quando Eliseu, depois que seu grupo foi cercado, em uma noite chuvosa no vilarejo de San Quirico, vê um amigo morrer metralhado.

Sob ataque, Eliseu e um colega juram sobre a Bíblia que irão voltar após buscar reforços. O capitão recomenda que eles não voltem ao casarão atacado pelos alemães. Mas Eliseu volta, como prometido, e acaba detido.

Apesar da ameaça de fuzilamento, termina preso e depois é transportado para a Alemanha, que evacuava presos contrariando a Convenção de Genebra. A sequência é real, mas Dalmaso precisou recriar os diálogos. O autor optou por escrever diálogos em alemão e italiano sem tradução para provocar a sensação de estranhamento no leitor, enfrentada também pelos brasileiros na guerra.

Esta é a primeira HQ de Dalmaso, que fez o roteiro em 2015 durante o horário de almoço no trabalho de gerente de uma loja. Quando decidiu levar o projeto adiante, largou o emprego e se dedicou exclusivamente aos quadrinhos.

A maioria dos desenhos são em aquarela, e o artista foi fiel aos uniformes, armas e acessórios da FEB, a partir de fotografias de artigos de museus.

"É uma arte linda. Quando ele nos procurou e mostrou as páginas de arte, já era de cair o queixo. Está muito acima da média nacional do que é trabalhado em quadrinhos", diz Artur Vecchi, editor da obra.

Apesar dos esforços dos pracinhas brasileiros na Segunda Guerra Mundial, a história da FEB ainda é pouco lembrada pelo público não especializado. Para Dalmaso, dois fatores podem explicar a pouca atenção.

O primeiro é a campanha difamatória que a FEB sofreu no retorno ao Brasil. Criada em 1943, ela foi extinta pelo presidente Getúlio Vargas em 1945.

"Eles foram lutar contra o nazismo, foram lutar por democracia. Mas no Brasil havia uma ditadura, a ditadura do Estado Novo. Eles voltaram vitoriosos, mas o próprio meio militar e civil difamou a FEB, falaram que foram passear, que demoraram para tomar Monte Castelo, ignoraram todas as dificuldades", opina.

O segundo motivo, para o autor, é o próprio regime militar. "Mesmo que a FEB não tivesse nada a ver com o golpe, a ditadura afastou a classe artística e o cinema de abordar esse tema. Se as pessoas quiserem abordar, tem muita história boa", defende.

"É uma história de luta contra o nazifascismo, que talvez seja a pior coisa que pode existir na face da terra", conclui.

O Elísio: Uma Jornada ao Inferno

Renato Dalmaso. Ed. Avec. R$ 49,90 (96 págs.)