HOMENS DE TEATRO
PUBLICAÇÃO
domingo, 16 de janeiro de 2000
Nelson Sato
De Londrina
Chegam às livrarias uma coletânea de entrevistas com 26 diretores, um estudo sobre a obra do dramaturgo Vianinha e um volume sobre o cenógrafo Flávio Império
Uma coletânea de entrevistas com gente como Bob Wilson, Peter Brook e Antunes Filho, um estudo sobre a obra do dramaturgo Oduvaldo Vianna Filho e um volume focalizando a trajetória do cenógrafo Flávio Império intensificam a temporada de lançamentos editoriais na área de teatro.
Diálogos no Palco (Francisco Alves Editora), o título mais ambicioso da fornada, é uma versão ampliada de um volume publicado há quatro anos na Inglaterra. Contém 26 entrevistas com alguns dos mais renomados diretores de teatro do mundo. A edição original, batizada In Contact with the Gods?, reunia apenas os artistas estrangeiros incluindo o brasileiro cidadão-do-mundo Augusto Boal.
O livro reproduzia as conversas ao vivo, entre criadores e platéia, ambientadas nos teatros da cidade de Manchester. Para a publicação no Brasil foram adicionados depoimentos do crítico mineiro Sábato Magaldi e dos diretores locais Antunes Filho, Gerald Thomas, Gabriel Vilella, Ulysses Cruz, Bia Lessa, Eduardo Tolentino, Aderbal Freire-Filho e Almir Haddad.
A seleção dos nomes é polêmica, altamente pessoal e certamente não quer ser definitiva nem excludente reconhece Paul Heritage, organizador da antologia ao lado de Maria M. Delgado. O diretor é, em grande parte, um fenômeno do século XX. Alguns poderiam até dizer: infelizmente. Contudo, é verdade que a iniciação e a realização do teatro mais estimulante tem esta figura em seu centro escreve no prefácio Gregory Hersov, diretor do Royal Exchange Theatre, um dos locais de Manchester que abrigaram a série de encontros com os artistas.
Entre os temas abordados nas entrevistas constam o papel do diretor no teatro contemporâneo, a relação entre autor e diretor, a escolha das peças e a montagem do repertório, a formação das companhias, a cenografia, as platéias e a dramaturgia de Shakespeare. As discussões vão desde debates filosóficos sobre a natureza do teatro até argumentos políticos sobre o propósito de se fazer esta arte.
Essa linha de questões, vale notar, pulsou no centro da obra de Oduvaldo Vianna Filho nos anos de ouro do teatro brasileiro. Vianinha Um Dramaturgo no Coração de seu Tempo (Hucitec), de Rosangela Patriota, é uma tentativa de ressaltar a atualidade do artista a partir da análise de sua peça Rasga Coração.
A peça, considerada sua obra-prima, foi finalizada no leito de um hospital quando o autor agonizava de câncer. A montagem, com Raul Cortez no elenco, só seria levada aos palcos depois de amargar cinco anos nas gavetas da censura federal. Após sua liberação, foi um estouro de bilheterias tornando-se símbolo da redemocratização do país.
Rasga Coração deve ser revista, uma vez que, ao contrário da opinião de muitos especialistas, a peça não é uma defesa intransigente dos valores políticos do dramaturgo, mas pelo contrário, é uma obra aberta construída pela sensibilidade e pela inteligência de alguém que procurou discutir a perplexidade de seu tempo escreve a autora. No livro, Rosangela Patriota propõe discutir momentos da história recente do país à luz desse legado.
Não menos estimulante na preservação da memória cultural é o volume dedicado à trajetória do cenógrafo Flávio Império, organizado por Renina Katz e Amélia Hamburger para a coleção Artistas Brasileiros, da Edusp. Ricamente ilustrado, Flávio Império avalia dois campos de intervenção do artista o teatro e as artes plásticas deixando voluntariamente de fora inúmeros escritos, manuscritos, colaborações para o cinema e projetos de arquitetura e urbanismo.
Império colecionou prêmios como figurinista e cenógrafo ao longo de três décadas de atuação. Morreu em 1985. Aliou formação erudita a elementos de cultura popular na confecção de cenários e figurinos. Instituiu um caráter autoral à profissão, influindo decisivamente na concepção das peças, inclusive de Nelson Rodrigues.
Não se trata, contudo, de uma predominância do aparato cenográfico sobre os outros elementos do espetáculo. Para tudo o que fez havia um sentido dramático, e é essa a grande diferença entre a sua postura e o teatro eminentemente visual que predomina na cena contemporânea salienta a crítica Mariângela Alves de Lima, no texto que investiga os trabalhos do artista nas artes cênicas.
A produção plástica, por sua vez, é analisada por Maria Bonomi. Ousado desde o início, só se sentia ele mesmo com um pincel na mão lembra ela. O livro inclui ainda dois depoimentos do artista, uma série de pequenos escritos e fichas técnicas dos espetáculos teatrais. Curiosamente, um depoimento revelador de sua futura vocação encontra-se numa nota biográfica jogada quase ao pé da página.
Fiz teatro aos cinco anos porque tive uma empregada, a Nice, que tinha capacidade de improvisação e organização de eventos teatrais com cortinas de cobertor e pregadores nos varais, roupas de pano e papéis de seda. Fosse agora
(e de outra classe social) seria certamente diretora conta ele. A publicação do livro é parte do Projeto Flávio Império de levantamento, catalogação e divulgação da obra do artista.
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