Nelson Sato
De Londrina
Chegam às livrarias uma coletânea de entrevistas com 26 diretores, um estudo sobre a obra do dramaturgo Vianinha e um volume sobre o cenógrafo Flávio Império
Uma coletânea de entrevistas com gente como Bob Wilson, Peter Brook e Antunes Filho, um estudo sobre a obra do dramaturgo Oduvaldo Vianna Filho e um volume focalizando a trajetória do cenógrafo Flávio Império intensificam a temporada de lançamentos editoriais na área de teatro.
Diálogos no Palco (Francisco Alves Editora), o título mais ambicioso da fornada, é uma versão ampliada de um volume publicado há quatro anos na Inglaterra. Contém 26 entrevistas com alguns dos mais renomados diretores de teatro do mundo. A edição original, batizada In Contact with the Gods?, reunia apenas os artistas estrangeiros incluindo o brasileiro cidadão-do-mundo Augusto Boal.
O livro reproduzia as ‘‘conversas ao vivo’’, entre criadores e platéia, ambientadas nos teatros da cidade de Manchester. Para a publicação no Brasil foram adicionados depoimentos do crítico mineiro Sábato Magaldi e dos diretores locais Antunes Filho, Gerald Thomas, Gabriel Vilella, Ulysses Cruz, Bia Lessa, Eduardo Tolentino, Aderbal Freire-Filho e Almir Haddad.
A seleção dos nomes é ‘‘polêmica, altamente pessoal e certamente não quer ser definitiva nem excludente’’ – reconhece Paul Heritage, organizador da antologia ao lado de Maria M. Delgado. ‘‘O diretor é, em grande parte, um fenômeno do século XX. Alguns poderiam até dizer: infelizmente. Contudo, é verdade que a iniciação e a realização do teatro mais estimulante tem esta figura em seu centro’’ – escreve no prefácio Gregory Hersov, diretor do Royal Exchange Theatre, um dos locais de Manchester que abrigaram a série de encontros com os artistas.
Entre os temas abordados nas entrevistas constam o papel do diretor no teatro contemporâneo, a relação entre autor e diretor, a escolha das peças e a montagem do repertório, a formação das companhias, a cenografia, as platéias e a dramaturgia de Shakespeare. As discussões vão desde debates filosóficos sobre a natureza do teatro até argumentos políticos sobre o propósito de se fazer esta arte.
Essa linha de questões, vale notar, pulsou no centro da obra de Oduvaldo Vianna Filho nos anos de ouro do teatro brasileiro. Vianinha – Um Dramaturgo no Coração de seu Tempo (Hucitec), de Rosangela Patriota, é uma tentativa de ressaltar a atualidade do artista a partir da análise de sua peça ‘‘Rasga Coração’’.
A peça, considerada sua obra-prima, foi finalizada no leito de um hospital quando o autor agonizava de câncer. A montagem, com Raul Cortez no elenco, só seria levada aos palcos depois de amargar cinco anos nas gavetas da censura federal. Após sua liberação, foi um estouro de bilheterias tornando-se símbolo da redemocratização do país.
‘‘Rasga Coração deve ser revista, uma vez que, ao contrário da opinião de muitos especialistas, a peça não é uma defesa intransigente dos valores políticos do dramaturgo, mas pelo contrário, é uma ‘obra aberta’ construída pela sensibilidade e pela inteligência de alguém que procurou discutir a perplexidade de seu tempo’’ – escreve a autora. No livro, Rosangela Patriota propõe discutir momentos da história recente do país à luz desse legado.
Não menos estimulante na preservação da memória cultural é o volume dedicado à trajetória do cenógrafo Flávio Império, organizado por Renina Katz e Amélia Hamburger para a coleção Artistas Brasileiros, da Edusp. Ricamente ilustrado, Flávio Império avalia dois campos de intervenção do artista – o teatro e as artes plásticas – deixando voluntariamente de fora inúmeros escritos, manuscritos, colaborações para o cinema e projetos de arquitetura e urbanismo.
Império colecionou prêmios como figurinista e cenógrafo ao longo de três décadas de atuação. Morreu em 1985. Aliou formação erudita a elementos de cultura popular na confecção de cenários e figurinos. Instituiu um caráter autoral à profissão, influindo decisivamente na concepção das peças, inclusive de Nelson Rodrigues.
‘‘Não se trata, contudo, de uma predominância do aparato cenográfico sobre os outros elementos do espetáculo. Para tudo o que fez havia um sentido dramático, e é essa a grande diferença entre a sua postura e o teatro eminentemente visual que predomina na cena contemporânea’’ – salienta a crítica Mariângela Alves de Lima, no texto que investiga os trabalhos do artista nas artes cênicas.
A produção plástica, por sua vez, é analisada por Maria Bonomi. ‘‘Ousado desde o início, só se sentia ele mesmo com um pincel na mão’’ – lembra ela. O livro inclui ainda dois depoimentos do artista, uma série de pequenos escritos e fichas técnicas dos espetáculos teatrais. Curiosamente, um depoimento revelador de sua futura vocação encontra-se numa nota biográfica jogada quase ao pé da página.
‘‘Fiz teatro aos cinco anos porque tive uma empregada, a Nice, que tinha capacidade de improvisação e organização de eventos teatrais com cortinas de cobertor e pregadores nos varais, roupas de pano e papéis de seda. Fosse agora
(e de outra classe social) seria certamente diretora’’ – conta ele. A publicação do livro é parte do Projeto Flávio Império de levantamento, catalogação e divulgação da obra do artista.
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