'Grilo da Caixa': artista mostra o outro lado da história de Londrina
O artista Chico Santos reflete sobre a cidade em exposição de máscaras, fantasias e imagens que abre neste sábado (1) no Sesc Cadeião
PUBLICAÇÃO
sexta-feira, 31 de março de 2023
O artista Chico Santos reflete sobre a cidade em exposição de máscaras, fantasias e imagens que abre neste sábado (1) no Sesc Cadeião
Ana Carla Dias/ Especial para a FOLHA

O extenso território de Londrina conta histórias que ainda são desconhecidas, na verdade, algumas delas foram apagadas ou silenciadas ao longo do tempo. Durante a década de sessenta e setenta, Londrina viveu o boom da cafeicultura , o que foi um grande suporte econômico e social na geração de empregos e renda, mas, no mesmo período, em algumas áreas da cidade, o que também se apresentavam grandes exclusões de moradores por conta do interesse imobiliário que foi gerado a partir da chegada das indústrias.
LEIA MAIS:
Água Doce inunda o Sesc Cadeião com sonoridades diversas
Precisamente em 1966, diversas desapropriações ocorreram em determinadas regiões de Londrina, retirando lojas e moradias de populações mais carentes e que não puderam permanecer após as novas configurações e rumos que a cidade parecia tomar.
Resgatando toda essa história, o artista londrinense, Chico Santos, 41, realiza a exposição “Grilo da Caixa”, um importante resgate de um capítulo histórico dos excluídos “Li um livro chamado ‘Os excluídos do café’ do autor Éder de Souza, nele é contada a história de Londrina, contrapondo a uma história elitista da cidade, sobre a geada do café e como isso acabou com a cidade. Na verdade, o livro todo mostra como os ricos continuaram ricos, mas a história das pessoas marginalizadas não foram bem contadas. Isso me interessou muito e comecei a pesquisar, fui 'in loco' na zona oeste e também atrás da linha férrea”.

Na época, um grande número de pessoas estava sob ameaça de despejo, alguns protestos foram organizados para ocorrer na avenida Paraná, também foi lançada a União Fraternal Brasileira, em 1983, com o objetivo de melhorar a condição habitacional das vilas periféricas. Hoje, manifestar o que foi vivido nessa época pelas populações da periferia através da arte é um ponto de vitória, um olhar para um momento trágico. Retratado através de artefatos artísticos, este período faz com que todas as gerações possam iniciar o contato com o ocorrido e assimilar a história à sua maneira, criando o seu ponto de vista através do artista.
As favelas que abrigavam diversas famílias, reconhecidas antigamente como grilos, viu sua história ser contada por quem estava vivendo a inovação da cidade, não sofrendo as consequências da gentrificação, que seria uma valorização acentuada de um território que passa ser ocupado por imóveis e população com outros padrões financeiros, aumentando a desigualdade e impossibilitando a moradia de quem cultivava até então aquele local. Essa foi a narrativa perdida, também após a chamada geada negra de 1975, quando muitas plantações de café foram destruídas e mudanças significativas ocorreram de maneira mais sofrida para as populações carentes. “A história da cidade não está somente ligada à riqueza e ao progresso, ela é múltipla. É importante que as margens da cidade façam parte da história, inseri os guardiões nessa história para criar essa narrativa fantástica”, diz Chico.
GRILOS DE ONTEM E DE AMANHÃ
Os grilos, citados no texto lido por Chico, no livro "Os excluídos do café”, são formas de referência à palavra grilagem, ou seja, moradores de margens da cidade, as periferias que uma grande população fragilizada ocupava com sua moradia. Um desses terrenos era da Caixa Econômica Federal, daí o nome Grilo da Caixa.
A exposição recebe esse nome para relembrar a história de famílias que se viam sem possibilidades na época. Para Chico Santos, o nome ressaltou até mesmo um olhar poético, com a ideia reduzida sobre onde essas pessoas deveriam ou não viver, que local estava destinado a elas, como prender um grilo cantante em uma caixa. “Todos esses preconceitos com a zona oeste e norte de Londrina, me fez descobrir essa história do Grilo da Caixa, e essa comunidade continua no mesmo local onde começou a sua luta pelo espaço de morar, enquanto as outras favelas foram rebocadas, lá existe também esse preconceito com a margem da cidade. Achei importante e essa história precisa ser contada para os londrinenses”.

PROJETO SOCIOCULTURAL
A exposição é realizada em parceria com o coletivo Ciranda da Paz, um grupo ativo em pautas sociais que produzem podcasts, entrevistas e rodas de conversas na comunidade Nossa Senhora da Paz, mais conhecida como Bratac. “O coletivo foi extremamente importante para o trabalho. Ano passado, quando comecei a pesquisar sobre o Grilo da Caixa, percebi que estava sendo muito teórico, com um olhar vindo de fora da comunidade, e é de extrema importância a comunidade também participar desse processo para ser um trabalho humano, mais horizontal."
Para a criação da exposição, Chico foi às ruas, foi onde as verdadeiras histórias estão, procurando e encontrando gente com seus depoimentos e também dentro de livros com narrativas de quem viu do outro lado e como tudo se desenrolou numa em uma época em que não se tinha voz em caso de pouco dinheiro para bancar o som.
Dentro das comunidades, com a ajuda do Coletivo Ciranda Paz, diversas etapas da produção foram construídas. “Então eles fizeram toda essa interligação com a comunidade, também me ajudaram na produção, organização das pessoas e da comunidade para participar do cortejo, o trabalho não funcionaria sem eles” - diz
A exposição oferece uma obra que pode ser tocada, além de assistir ao resultado da performance os visitantes podem vestir as fantasias, tendo a oportunidade de experimentar as máscaras e instrumentos musicais criados pelo artista. “Desde que criei o trabalho ‘Mitos Paranaenses’, venho produzindo algumas fantasias, desta vez a escolha dos materiais foi muito importante. A cor terracota que é predominante nas fantasias atuais, tem relação com a nossa cidade e com a criação dos guetos, favelas, comunidades, tijolos ou telhas em terracota. A escolha do artista sempre tem ligação conceitual com o material, uma escolha racional. Alguns fios são azuis para lembrar que a favela se chama Nossa Senhora da Paz, e então tem ligação com a cor azul. Esse processo não foi somente manual, foi também mental de escolha eficaz e efetiva com os materiais”.
Para abrir o período de exposição, o dia 18 de março foi escolhido para o Cortejo do Equinócio, o artista escolheu a data por representar a chegada do outono, o que simboliza para a exposição o retorno dos guardiões do Grilo da Caixa às favelas e comunidades. As fantasias utilizadas no cortejo e que serão expostas foram todas produzidas manualmente, juntamente com uma oficina de coreografia feita por Lucas Manfré e o resultado filmado em plano único por Marcos Assi.
Chico reflete sobre o que leva o seu trabalho a dialogar com essas histórias e pessoas, mas também não cria expectativa da sua arte ser interpretada como ele mesmo a enxerga. “Sempre que penso na arte, acredito que ela é feita para dizer coisas que não conseguimos expressar verbalmente, talvez eu não consiga explicar o que eu queira com a exposição, são coisas invisíveis, mas o que consigo racionalizar é a vontade que essa história chegue a mais pessoas e desperte sentimentos nelas, de valorização da margem. Não tenho muita expectativa porque cada público vai ter uma visão específica, mas acredito que com a alfabetização visual vinda da exposição, a pessoa pense a cidade de outras formas com outras visões" - conclui.
SERVIÇO:
Exposição Grilo da Caixa, de Chico Santos em parceria com o Coletivo Ciranda da Paz
Local: Sesc Cadeião Cultura
Data: de 1º de abril a 1º de junho. Aberta o público de terça a sexta das 9h às 21h, aos sábados e domingos das 9h às 18h.
A exposição contra com patrocínio do Promic - Programa Municipal de Incentivo à Cultura
...

