A morte de Glória Maria na manhã desta quinta-feira (2) causada pelo agravamento de um câncer pôs fim a uma trajetória marcada pelo pioneirismo. Ícone do jornalismo brasileiro, a carioca foi a primeira jornalista negra a ganhar destaque na TV como repórter do Jornal Nacional, veículo em que se consagrou como um dos nomes mais populares da imprensa no país. De reportagens investigativas, que inclui a cobertura de Guerra das Malvinas, às matérias de turismo e comportamento apresentadas em diversos programas da Rede Globo nas últimas cinco décadas, a carioca deixa como legado o tom humanitário que se tornou uma marca em todos os seus trabalhos.

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Glória Maria descobriu o câncer no pulmão em 2019, quando passou mal e se submeteu a uma ressonância magnética. Na época, foi submetida a uma cirurgia de emergência para a retirada de uma "lesão expansiva cerebral”. Após a remoção do tumor, a jornalista passou por um período de recuperação antes de voltar para a frente das câmaras meses depois. Entretanto, houve um agravamento de seu quadro clínico, o que levou a jornalista a se afastar da Rede Globo em dezembro de 2022. Em janeiro deste ano, foi internada novamente para iniciar um tratamento de metástases no cérebro, mas não resistiu ao avanço da doença.

De origem humilde, Glória Maria nasceu no Rio de Janeiro, filha de um alfaiate e de uma dona de casa. Após concluir o ensino médio em escolas públicas, formou-se em jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Iniciou a carreira profissional na Rede Globo em 1970, como rádio-escuta. Em 1971, fez sua estreia na televisão cobrindo o desabamento do Elevado Paulo de Frontin, na capital fluminense. Nas últimas cinco décadas, ganhou destaque em diversos programas jornalísticos atuando como repórter e apresentadora de telejornais e de programas como o Fantástico e o Globo Repórter. Produziu matérias em mais de 100 países e entrevistou astros de renome mundial, como Michael Jackson e Madonna.

Ícone do feminismo negro

Com visibilidade nacional, Glória Maria se tornou uma das maiores representantes da luta anti-racista no país. Em entrevistas concedidas ao longo da carreira e em postagens nas redes sociais, a jornalista comentou sobre diversos episódios de racismo que sofreu. Há três anos, publicou no Instagram, que em 1970 foi impedida pelo gerente de um hotel no Rio de Janeiro a entrar pela porta da frente do estabelecimento pelo fato de ser negra. Fato que levou a jornalista a ser primeira pessoa no Brasil a utilizar a Lei Afonso Arinos, a primeira norma contra o racismo do país, estabelecida em 1951, responsável por caracterizar a discriminação racial como contravenção penal.

“Racismo é uma coisa que eu conheço, que eu vivi, desde sempre. E a gente vai aprendendo a se defender da maneira que pode. Eu tenho orgulho de ter sido a primeira pessoa no Brasil a usar a Lei Afonso Arinos, que punia o racismo, não como crime, mas como contravenção. Eu fui barrada em um hotel por um gerente que disse que negro não podia entrar,

Glória Maria: "Eu tenho orgulho de ter sido a primeira pessoa no Brasil a usar a Lei Afonso Arinos, que punia o racismo; fui barrada em um hotel por um gerente que disse que negro não podia entrar"
Glória Maria: "Eu tenho orgulho de ter sido a primeira pessoa no Brasil a usar a Lei Afonso Arinos, que punia o racismo; fui barrada em um hotel por um gerente que disse que negro não podia entrar" | Foto: Zé Paulo Cardeal/Globo/ Divulgação

chamei a polícia, e levei esse gerente do hotel aos tribunais. Ele foi expulso do Brasil, mas ele se livrou da acusação pagando uma multa ridícula. Porque o racismo, para muita gente, não vale nada, né? Só para quem sofre”, comentou sobre o caso. Mais recentemente, em entrevista ao podcast "Mano a Mano", de Mano Brown, Glória relatou que na época em que apresentou o Fantástico recebeu inúmeras cartas com ataques racistas escritas por telespectadores que reclamavam de sua presença no programa.

“A Glória Maria tem um papel importantíssimo na luta da mulher negra contra o racismo e seu legado ficará marcado para sempre como uma das precursoras deste tema no Brasil. Ela se tornou um ícone do feminismo negro e com seu profissionalismo abriu espaço para que outros profissionais negros conseguissem atuações de destaque não apenas no jornalismo, mas também em outras áreas de atuação”, destaca a professora Maria de Fátima Beraldo, gestora municipal de Promoção da Igualdade Racial de Londrina.

O MISTÉRIO DA IDADE

Um dos folclores em torno de Glória Maria era a idade que a jornalista omitiu até a hora de sua morte. A carioca sempre fez mistério sobre o assunto e não confirmava nem desmentia os números sugeridos por quem a questionava a respeito desse tema. Em entrevista a Mano Brown no podcast Mano a Mano, a apresentadora assumiu que gostava de driblar a curiosidade das pessoas. "Não tem dados para provar e eu invento. Ninguém vai conseguir bater lé com cré porque eu confundi tanto que ninguém vai conseguir fazer a conta. E não é para esconder. É questão de cultura familiar”.

FILHAS DO CORAÇÃO

Glória Maria deixa duas filhas: Maria, 15 anos, e Laura, de 14. Elas foram adotadas em 2009, após uma temporada que a jornalista passou na Bahia. O processo de adoção durou 11 meses, período em que a carioca chegou a se mudar de estado para ficar mais próxima das meninas enquanto a processo de documentação estava sendo concluído.

FAMOSOS LAMENTAM MORTE DA APRESENTADORA

"Recebo com muita tristeza a notícia da morte de Glória Maria, uma das maiores jornalistas da história da nossa televisão. Glória foi repórter em momentos marcantes do Brasil e do mundo, entrevistou grandes nomes e deixou sua marca na memória de brasileiros e brasileiras".

Luís Inácio Lula da Silva, Presidente do Brasil

Acabamos de receber a notícia de que Glória Maria faleceu. Meus sentimentos à família. Quem é mulher negra sabe da importância de tê-la visto na televisão. Glória é considerada a primeira repórter negra da televisão e sempre será lembrada como sinônimo de competência.

Anielle Franco, Ministra da Igualdade Racial

Perdemos Glória Maria. Uma mulher admirável, pioneira, referência maior para tantas mulheres brasileiras. Glória transformou o jornalismo com sua humanidade. Ela levou o sentimento para a reportagem. Uma mulher negra, filha de um alfaiate, que se tornou a jornalista mais importante de uma era da TV. Em uma palavra, Glória Maria simbolizava a VIDA. Ela tinha uma vontade de viver inigualável e inabalável.

Fafá de Belém, cantora

Se hoje tem um Emicida, é por que antes existiu uma Glória Maria. Devastado por sua passagem amiga, e ao mesmo tempo, grato por ter tido a honra de poder te chamar assim. Nossas aulas de natação vão ter que esperar… Que a terra lhe seja leve professora.

Emicida, cantor e compositor

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