Gilberto Freyre, o reinventor do Brasil
PUBLICAÇÃO
quinta-feira, 20 de abril de 2000
Carlos Eduardo Lourenço Jorge
De Londrina
Especial para a Folha2
Se estivesse vivo, Gilberto Freyre teria completado 100 anos no dia 15 de março. Nada mais natural, e mais apropriado, do que interligar as comemorações pelos 500 Anos do Descobrimento com aquelas do centenário do Pedro Alvares Cabral do Brasil Moderno, como o próprio sociólogo pernambucano gostaria de ser lembrado. Pois a partir de agora são grandes as chances de que as novas gerações possam considerá-lo alguém próximo da figura do descobridor português. Alguém que redescobriu o Brasil em pleno século 20 a partir de idéias revolucionárias e originais que redefiniram e reinterpretaram a essência do País, explicando as raízes das tradicões nacionais. Alguém que soube narrar e descrever liricamente a formação social brasileira numa obra monumental.
Comemorando os 100 anos de nascimento do mestre do solar dos Apipucos, e de quebra cortejando sem demagogia os cinco séculos da terra brasileira, o canal pago GNT apresenta a partir de hoje uma minissérie de quatro programas em torno da obra Casa-Grande & Senzala. O episódio de estréia, às 22h30, promete um encontro de homens e intelectuais notáveis. Um, sociólogo, outro, cineasta. Dois clássicos. Gilberto Freyre, o Cabral Moderno leva a assinatura de Nelson Pereira dos Santos, alguém que, com o poder das imagens, também reinventou o Brasil a seu modo a partir do Cinema Novo. A propósito, outro expoente do movimento cinemanovista, Joaquim Pedro de Andrade, decidiu adaptar a obra seminal de Freyre. O cineasta de Macunaíma chegou a se encontrar com o escritor para acertar detalhes do roteiro mas morreu logo depois, em 88. À Luz do Sol Cru, como foi batizada a adaptação, deve ser publicada este ano.
Com duração de 52 minutos e um custo revelado de 1 milhão de reais, o capítulo de abertura conta a vida de Gilberto Freyre desde o nascimento no Recife até a morte em 1987, passando pelos anos em que esteve no exterior na década de 20 - imagens captadas na Universidade de Columbia, em Nova York. Quem conduz e narra o documentário, que também mistura imagens fictícias, é o professor Edson Nery da Fonseca, estudioso da obra de Freyre e amigo do sociólogo. Os comentários são intercalados por trechos de entrevistas nos quais é possível constatar o brilho do biografado, de conhecimento invejável mas de uma simplicidade e clareza admiráveis, como observa Nelson Pereira dos Santos. O diretor também tem elogios para o narrador, Edson da Fonseca: Ele sabe contar tudo de memória, tem uma erudição maravilhosa e um senso de humor singular. O programa teve ainda filmagens em 16 milímetros na Universidade de Coimbra, em Portugal, onde o escritor recebeu o título de doutor honoris causa.
O segmento Gilberto Freyre, o Cabral Moderno comenta também os acontecimentos que envolveram a publicação de Casa-Grande & Senzala em 1933, o caráter revolucionário e a imensa repercussão que a obra adquiriu naquele momento. Do programa participam dois netos do sociólogo: Fernando Mello Freyre Filho, que em algumas sequências representa o avô, e Gilberto Mello Freyre Neto, que dá seu depoimento.
O projeto original era detalhar todos os pontos apresentados em Casa-Grande & Senzala em 13 episódios, com a narração de José Wilker. Pereira dos Santos, no entanto, teve que abortar a idéia em razão dos R$ 7 milhões de custo. Tudo foi reduzido a quatro episódios. Apesar da diminuição, conseguimos manter a essência do pensamento do Gilberto, assegura o diretor. Respeitando a originalidade e o pensamento do autor, os outros três capítulos - filmagens a partir de maio e estréias até setembro - pretendem mostrar os elementos básicos que contribuíram para a formação da cultura brasileira a partir da mistura entre brancos, negros e índios. A série seguirá a sequência dos capítulos do livro e mostrará a visão de Freyre sobre miscigenação racial, influência indígena, choque entre culturas africanas introduzidas no Brasil, ritos e culinária afro. Em síntese, aquelas determinantes que formularam uma das mais vigorosas interpretações do caráter singular da nação brasileira.