Com 36 anos de atividade, o grupo Folia de Reis Mensageiros da Paz é uma manifestação religiosa criada em Londrina e reconhecida nacionalmente. Seu fundador e coordenador, o mineiro Francisco Garbosi é natural de Paraguaçu (MG), e consolidou esta tradição popular na cidade.

Chegou a Londrina em 1950, aos 14 anos, quando fora apresentado ao trabalho nos cafezais. Aos 86 e "cinco meses", como gosta de enfatizar, conserva o ânimo pela herança religiosa, bem como a sensibilidade para escrever e declamar poemas.

É o próprio artista quem atende as ligações pelo celular, agenda a entrevista, envia arquivos e, pouco antes do horário acordado, quando aviso estar a caminho, responde instantaneamente que está pronto.

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De camisa azul, casaco preto e sapatos lustrados, o asseio ganha evidência. É o poeta também que me recebe no portão. Oferece um café e sua sala é como a templo. Há fotografias na parede do grupo de Folia de Reis, uma parte dos troféus e seus livros e adornos alusivos à folia de reis, atividade que integra sua trajetória. O violão em primeiro plano faz da entrevista, pois o cantador relata as vivências do grupo tocando o instrumento e, com solos, demonstra o que ama fazer.

Com uma memória admirável, traz informações do grupo que se misturam à da cidade. Na manhã chuvosa e de baixa temperatura, sua esposa ainda descansa. Há flores na mesa da cozinha, o bule na boca do fogão e sua obra "História, mensagens e embaixadas de Folia de Reis: Quem eram os magos?", reservada no braço do sofá, é um presente para a repórter.

Seu Francisco explica que passou a escolher melhor os horários para cantar, tocar e varrer o quintal porque teve vitiligo. "Depois tomou conta de tudo e fiquei albino. Mas há três meses, estou cuidando mais e já ganhei cor", sorri.

SENHOR EMBAIXADOR

Mestre-embaixador do grupo, Garbosi é quem puxa os versos e se intitula cantador. Em 2024, recebeu o Diploma de Reconhecimento Público da Câmara de Vereadores de Londrina pelo trabalho em manter a tradição da Folia de Reis viva na cidade. Embora o poeta, compositor e folclorista reconheça que o interesse em manter a cultura não encontre pessoas tão dispostas pela continuidade, o cantador fala sobre sua trajetória com entusiasmo. "Somos muito respeitados e gravamos até um CD".

Londrina deve muito a este senhor cantador e à sua perseverança em prol da cultura. Morador da região norte de Londrina, vive no Conjunto Semíramis. Filho de Angelo Garbosi e Geralda Francisca de Jesus, nasceu em 1º de janeiro de 1939. Aos dois anos de idade, a família foi para o interior de São Paulo e ele iniciou os estudos na escola mista rural do bairro Aparecida, em Tapiratiba – SP.

Em 1948, migraram para para Bela Vista do Paraíso e dois anos depois estava aqui em Londrina. Mas só 1972, aos 33 anos, passou a viver na cidade. Antes disso, vivia no Distrito. "Na verdade o Distrito se chamava Marreca. Acho que não pegou e virou Irerê. Depois fui pesquisar porque sou curioso e irerê significa marreca selvagem", sorri.

Pai de quatro filhos, oito netos e bisnetos, casou-se com Maria do Carmo em 20 de setembro de 1961 e, no mesmo ano, o poeta, compositor e folclorista assumiu a responsabilidade de ser mestre embaixador de um grupo de folia de reis.

No ano de 1989, já vivendo na mesma casa onde mora nos dias de hoje, formou o grupo Mensageiros da Paz Londrina. Manteve sua família trabalhando em empresas como Viação Garcia, onde foi cobrador, Transportes Coletivos Grande Londrina, como cobrador, fiscal e despachante de tráfego e aposentou-se no Colégio Maxi, como segurança patrimonial noturna.

Francisco Garbosi já foi homenageado como cidadão de Londrina e, aos 86 anos, segue em sua arte que, além da Folia, inclui a música e a poesia
Francisco Garbosi já foi homenageado como cidadão de Londrina e, aos 86 anos, segue em sua arte que, além da Folia, inclui a música e a poesia | Foto: Walkiria Vieira

CULTURA PRESERVADA

Lançada em 2020, a obra "História, mensagens e embaixadas de Folia de Reis: Quem eram os magos?", de Francisco Garbosi, 152 páginas, é uma referência sobre o tema e integra parte da diminuta literatura destinada a este tema no país, sendo ainda considerada uma das melhores sobre o assunto.

No prefácio, o professor Arnaldo Godoy descreve a obra como uma leitura deliciosa e de redação intocável. "O estilo, perfeito. Nada a acrescentar. Suas linhas, fiéis ao seu pensamento. Suas ideias, fieis ao seu imaginário", pontua. "Este prefácio, se assim posso chamá-lo, tão só exprime minha admiração e carinho por Garbosi, o resto da folia, é com ele mesmo, leiam...", convida.

O Grupo Folia de Reis Mensageiros da Paz mantém 15 integrantes, todos do núcleo pessoal do embaixador (familiares e amigos) tem suas apresentações concentradas no período de natal, quando passam pelas casas dos devotos, entretanto, vários centros culturais solicitam suas apresentações durante o ano.

"O contra-mestre é o Cláudio Azarias, Maria do Carmo, minha esposa, canta. O Aparecido José Soares é o contralto, José Rilson de Jesus é o bandereiro, o André Garbosi de Jesus, Matheus de Jesus e Gabriele Garbosi Cardoso ficam no bastião, a Sandra Maria de Jesus, toca. "Segue toda a ordem e não se esquece do Luis Alberto e do Lauro Veiga", diz. Entre o respeito e o espanto, falta a mim agilidade para acompanhar seu Fransciso diante da precisão e riqueza das informações.

Festa popular religiosa, a folia é uma forma de expressão que valoriza o universo religioso, cantando o nascimento do Menino Jesus, a jornada dos Reis Magos e de caráter comunitário.

De origem europeia, a Folia de Reis ou Reisado foi trazida para o Brasil durante o período colonial, se manifestando a partir de diversos títulos: Terno de Reis, Tiração Ancho de Reis, Guerreiros e Reisado.

Para Garbosi, a folia é um momento em que as relações entre os foliões e os adeptos se estreitam em troca da bençãos. Quando o grupo passa pelas ruas, lá estão cantadores e instrumentistas a entoar homenagem aos três reis magos: Baltazar, Belchior e Gaspar. Com vestes, fardas e máscaras, a performance conta com danças e cantorias com múltiplos instrumentos de corda, sanfonas e percussão.

O mestre Francisco Garbosi comanda a Folia de Reis em Londrina e leva a tradição religiosa a outras cidades do Brasil valorizando a cultura popular
O mestre Francisco Garbosi comanda a Folia de Reis em Londrina e leva a tradição religiosa a outras cidades do Brasil valorizando a cultura popular | Foto: Divulgação

POUCA PERSPECTIVA

Admirador do trabalho de Garbosi, o Vigário da Paróquia Santa Rita de Cássia, no Jardim Califórnia, em Londrina, Lourival Zatti, avalia que a Folia não recebe o devido valor. "De uns 10 anos para cá observo a redução dos grupos com tristeza. Muitos estão falecendo, são pessoas de idade, meio doentes também, né. E aqui, numa cidade grande como Londrina, fica difícil motivar a criançada porque ninguém conhece, pois a origem se dá na zona rural", expõe.

De seu ponto de vista, o incentivo pode ajudar a mudar esse quadro. "Eu acredito que até os outros padres podem dar o apoio ao falar nas igrejas, fazer palestra sobre o tema, afinal o que a família Garbosi constriu até aqui é de grande valor", sustenta. Francisco Garbosi também compreende que os jovens estão dedicados ao trabalho desde muito cedo e não dedicam-se aos grupos de Folia de Reis.

NA CIDADE DO RÓTULO

O grupo não se reúne apenas uma vez ao ano, pois recebe convites de cidades vizinhas e outros estados que se inspiram nos Mensageiros da Paz. "Sou caboclo, caipira, cantador de Folia de Reis. Comecei desde criança, comecei com os 12 anos. Há 64 anos estou como embaixador. Já cantei em Paraguaçu e Guaxupé, em Minas Gerais. Também fui ao interior de São Paulo e no Paraná estive em Curitiba, Antônina, Caiobá."

O cantador lembra que na praia de Caiobá, alguns que acompanharam a folia já tinham visto a manifestação quando crianças. "Outras pessoas nunca tinham assistido e ficaram encantadas. Campo Largo eu só conhecia pelo rótulo do vinho e quando recebi carta convite de Matão, pensei: é agora. Tinha muita vontade por causa da música 'Saudades de Matão', do Tonico e Tinoco", sorri.

"Tinha o sonho de uma capela e ela está lá, no Jardim Porto Seguro, na rua Serra da Baleia, 700, zona norte. Outro sonho era ter o encontro em Londrina e a a secretária de Cultura faz. Fico feliz, não importa quem seja o organizador." Na composição "Encontro da Irmandade", evento realizado no início de maio, Mestre Francisco Garbosi narra a frutífera reunião.

Ao se despedir, inclui mais um livro de sua autoria como presente "Poemas e Alusões", Editora Idealiza (2021). Contente pela pequena visita, adianta que receberá com carinho o jornal impresso. "Eu tenho um arquivo desde que começamos". E, com um poema sobre a beleza do manacá que avista da porta de sua casa, agradece.

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