Formando olhos para a leitura
PUBLICAÇÃO
segunda-feira, 19 de março de 2018
* Marian Trigueiros<br>Reportagem Local
Pensar o desenvolvimento futuro das crianças e aprender sobre as relações humanas, sobretudo pelo viés da literatura, foi o mote do Seminário Internacional Arte, Palavra e Leitura na 1ª infância, realizado em São Paulo nos últimos dias 13, 14 e 15 de março, pelo Itaú Social e pelo Sesc São Paulo, com curadoria do Instituto Emília e da Comunidade Educativa Cedac, e apoio do Instituto C&A e da (AC/E) Associação Cultural Espanhola. O evento reuniu especialistas nacionais e internacionais para um intercâmbio de experiências e reflexões, visando a composição de um panorama teórico e prático sobre o lugar da cultura na infância, cuja programação foi dividida em oficinas, mesas-redondas e relatos de experiências práticas.
Na programação, realização de mesas-redondas como a que reuniu Bel Santos Mayer (Ibeac), Lara Meana (Tres Brujas - Espanha), Patricia Diaz (Cedac) sob o tema "Rompendo paradigmas e semeando futuros leitores". Com trabalhos distintos, relataram sobre as atividades desenvolvidas ao longo de suas trajetórias em comunidades que não tinham acesso à leitura e formação de mediadores de leitura. Já a mesa-redonda "Um mundo aberto, a cultura na primeira infância" reuniu Maria Emilia Lopez (Jardim Materno - Argentina), Patricia Pereira Leite (A cor da Letra) e Yolanda Reyes (Espantapájaros Colômbia) que discutiram acerca da importância da leitura no processo cultural da criança. Na mesa-redonda "Arte, poesia e mundo digital na primeira infância", os autores e ilustradores Issa Watanabe (Peru), Laura Teixeira, Lucas Ramada (Espanha) e Paloma Valdivia (Chile) abordaram os prós e contras do uso da tecnologia na literatura.
Direito Humano - Bel Santos Mayer, coordenadora do Programa de Direitos Humanos do Ibeac (Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio Comunitário) desde 1997 e gestora da Rede LiteraSampa e do programa de formação de jovens da Biblioteca Comunitária Caminhos da Leitura defendeu a leitura como um direito humano. "A biblioteca é um lugar de encontro e que promove um tipo de empoderamento, trazendo outra visão de mundo, importante para as transformações pessoais e coletivas. Qualquer um pode ser um mediador, não existe um modelo correto; todos são válidos desde que sejam honestos", diz ela, sobre o programa do instituto que atua nas linhas Informação, Mobilização da Comunidade e Intervenção.
Dentre os resultados obtidos, está uma das bibliotecas gerenciadas por adolescentes e jovens em Paralheiros, distrito rural localizado na zona sul de São Paulo há quase dez anos. "Uma das motivações em iniciarmos o projeto foi pensar: por que quem está plantando não tem direitos de ter o mesmo prazer de ler? A literatura só faz sentido quando nos sentimentos pertencentes. A partir daí, contribuímos com a formação de um grupo que se tornasse referência dentro das suas comunidades", resume. Atualmente, tanto a biblioteca (cujo acervo foi e está sendo construído com a comunidade) quanto o grupo (com jovens mediadores de leitura e com as mães mobilizadoras) continuam crescendo para que os livros e as histórias cheguem às casas de cada criança daquela região.
Leitura sobre rodas - O Coletivo "Rodas de Leitura", formado por jovens oriundos de projetos sociais de mediação de histórias, como o projeto Biblioteca Viva/Mudando a História, é a prova de que iniciativas dão frutos. Munidos de bicicletas como meio de transporte, desde 2013, os integrantes tem unido o cicloativismo com leitura, deslocando-se e ocupando, de forma criativa, espaços de São Paulo propondo uma ação cultural por meio da mediação de leituras. "Geralmente vamos a praças ou feiras mais distantes e colocamos todo o acervo à disposição para pessoas que estão passando pelo local possam explorar. A primeira ação do nosso projeto é promover o acolhimento. A criação desse ambiente agradável para a leitura, desperta o prazer pelo ato de ler", conta o integrante Rafael Torres. O resultado tem sido crescente, tanto no número de lugares visitados quanto de participantes, possibilitando que crianças, jovens e adultos tenham contato com um universo nunca antes vivenciado.
Oficinas criativas - Partindo do princípio de que a escrita criativa dos adultos pode refletir diretamente na leitura das crianças, a jornalista e escritora Sara Bertrand, que ministra cursos na Universidade do Chile e oficinas para o Instituto Emilia, realizou a oficina "Não é de comer!". Para ela, escrever é um compromisso com a palavra como ato político, social e pessoal. "Mas a escrita deve surgir como um algo profundo e verdadeiro; isso só acontece quando nos afinamos com nossa música interior. Com o passar dos anos, deixamos as travas morais falarem mais alto e nossa capacidade de fantasia vai se perdendo", resume. Tendo a ferramenta da escrita mais fluida e mais plástica à realidade, ela acredita que haja maior possibilidade de conexão com as crianças. "Elas têm muito a dizer. Precisamos voltar a escutá-las e lê-las".
Programa de apoio - A Fundação Itaú Social tem como foco o apoio, elaboração e fortalecimento de programas que visam o progresso das políticas públicas de educação, a potencialização do engajamento da sociedade, por meio da cultura de voluntariado e a avaliação sistematizada de projetos sociais. "Dessa forma, formulamos, implantamos metodologias na área educacional, em conjunto com governos, empresas e organizações não-governamentais. Acreditamos que a leitura seja uma das principais bases para aquisição de conhecimento", explica Dianne Melo, gestora de programas e projetos sociais e educacionais.
* A jornalista viajou a São Paulo a convite da Fundação Itaú Social