FILO termina com um novo olhar sobre Machado de Assis
Espetáculo do Armazém Companhia de Teatro encerra o festival com a versão cênica do diretor Paulo de Moraes para a obra 'Brás Cubas'
PUBLICAÇÃO
sábado, 15 de fevereiro de 2025
Espetáculo do Armazém Companhia de Teatro encerra o festival com a versão cênica do diretor Paulo de Moraes para a obra 'Brás Cubas'
Marcos Losnak/ Especial para a Folha

O Armazém Companhia de Teatro apresenta neste sábado (15) e domingo (16), no Teatro Ouro Verde dentro da programação do FILO - Festival Internacional de Londrina, seu novo espetáculo “Brás Cubas” – uma adaptação do clássico da literatura brasileira “Memórias Póstumas de Brás Cubas” de Machado de Assis.
Com direção de Paulo de Moraes e dramaturgia do escritor londrinense Mauricio Arruda Mendonça, a montagem procura trazer a obra de Machado de Assis para um novo olhar contemporâneo. Para Paulo de Moraes, o grande desafio foi colocar as sutilezas criadas por Machado dentro da montagem: “Nosso grande embate durante a elaboração do espetáculo foi descobrir como fazer para a literatura sutil de Machado se transformasse numa ação dramática contundente”.
Nascido em Londrina e radicado no Rio de Janeiro desde 1998, o Armazém Companhia de Teatro possui como marca registrada explorar novas linguagens dentro do universo cênico. Em 2024, “Brás Cubas” foi apresentado em festivais de teatro da China e da Rússia com grande repercussão.
A seguir Paulo de Moraes, fundador e diretor do Armazém fala sobre o espetáculo “Brás Cubas” e a experiência de levar Machado de Assis para o exterior.
Machado de Assis é um autor que não é levado aos palcos com frequência. O que levou o Armazém Companhia de Teatro encenar “Memórias Póstumas de Brás Cubas”?
Brás Cubas é um dos personagens mais icônicos da literatura brasileira. Tratar de um personagem assim, pretensioso e prepotente, um recordista de fracassos, que tem uma aversão por si mesmo absolutamente merecida – e que nos fala tanto sobre a formação da elite brasileira –, era muito sedutor. E também traduzir a experimentação formal da literatura de Machado para o palco, conversando com o público de hoje, me parecia desafiador. Porque Machado escreve com um nível de sutileza raro. Então, com certeza o nosso grande embate durante a elaboração do espetáculo foi descobrir como fazer para que essa literatura sutil se transformasse numa ação dramática contundente.
Um dos principais elementos de Machado de Assis em “Memórias Póstumas” é uma crítica a elite brasileira do final do século 19. A montagem do Armazém procura trazer essa crítica para os dias atuais?
Quando Machado de Assis escreveu “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, em 1880, o Brasil ainda era uma monarquia e uma sociedade escravagista. As estruturas sociais e de classes eram muito mais rígidas do que hoje. Houve inúmeras mudanças sociais, culturais e políticas de lá para cá. Mas apesar de sermos um país miscigenado e diverso, ainda vivemos desigualdades raciais e sociais absolutamente significativas, e seguimos tendo uma elite econômica alienada aos grandes desafios atuais, como a desigualdade econômica, as questões ambientais, raciais e de gênero. Brás Cubas, a peça, revela com ironia o berço de nossa elite, revela de onde vem a desconexão com a realidade que a elite de hoje ainda demonstra – empurrando para baixo do tapete as questões fundamentais para a esmagadora maioria da população.
Os atores mergulharam no universo machadiano?
O que tenho percebido é que os atores se apropriaram tanto do texto de Machado de Assis e são tão atravessados por ele, que isso faz com que o contexto histórico exploda diretamente no público. Explode pois não se trata de um Brás Cubas envelhecido e distanciado, que o público assiste como um grupo de múmias diante da uma “grande obra da literatura brasileira”. Explode porque a verdade em cena é tanta, que só poderia estar acontecendo hoje. É como se Machado de Assis fosse um escritor genial e recém-descoberto.

O Armazém Companhia de Teatro participou de festivais de teatro na China e na Rússia encenando “Brás Cubas”. Como foi essa experiência?
Foi uma experiência sensacional. São culturas muito diferentes da nossa. Já estivemos cinco vezes na China com nossos espetáculos. Levamos para lá “A Marca da Água”, “Hamlet”, “Neva” e por duas ocasiões “Brás Cubas”. O público chinês é basicamente muito jovem e curioso. Muitos deles estudam a temática do espetáculo antes de assisti-la. Leem o texto peça ou o livro no qual a montagem se baseia. E estão num momento em que o teatro internacional – do mundo todo – tem visitado muito a China. Há uma abertura muito grande para o pensamento do outro. E a recepção foi muito calorosa. Já a Rússia vive um momento de grande aproximação cultural com os países do BRICS. Participei de um fórum de cultura em São Petersburgo no ano passado e isso era um tópico central nas discussões. Depois estivemos num festival em Vladivostok. E todo festival de teatro é uma celebração da vida. Novamente, a recepção foi tão positiva, que fomos convidados para nos apresentar em Moscou em julho de 2025.
Uma das particularidades do espetáculo é abordar o romance de Machado de Assis a partir de três planos narrativos paralelos. Como isso acontece no palco?
Nossa peça desmembra o personagem Brás Cubas em dois. O ator Sérgio Machado interpreta Brás Cubas desde seu nascimento até sua morte (não necessariamente nessa ordem) e Jopa Moraes assume Brás Cubas já como o defunto que narra suas memórias póstumas. Mas esse defunto está pouco vinculado ao século 19, ele quer e precisa se comunicar com as pessoas de hoje. A dramaturgia tem essa estrutura em três planos. O plano da ação – que são as cenas vividas por Brás, o plano narrativo, no qual entram as divagações e reflexões do defunto. Esse desmembramento é uma forma de convidar o espectador a se retirar do fluxo narrativo para, de alguma forma, refletir sobre o que está sendo narrado. Ao mesmo tempo em que a montagem dramatiza os acontecimentos da vida do Brás. A ideia é que a presença do defunto em cena não permita que a plateia se absorva completamente no drama. Eu acredito que a presença desse defunto convida o público a refletir ironicamente e criticamente sobre o que está vendo.
E o terceiro plano narrativo?
Chamamos o terceiro de “plano de construção”, em que o próprio Machado de Assis, vivido pelo ator Bruno Lourenço, interage com sua criação – a partir de comentários que visam conectar contemporaneamente suas críticas à sociedade brasileira. Mas o nosso Machado de Assis não é um personagem biográfico. Embora todas as questões que o personagem coloque na peça tratem de assuntos sobre os quais Machado realmente escreveu, elas estão colocadas em contextos diferentes. É uma brincadeira a partir de detalhes biográficos. Um personagem imaginário tentando se comunicar com o nosso tempo, com o público de hoje.
O Armazém nasceu em Londrina em 1987 e se transferiu para o Rio de Janeiro em 1998. Londrina foi importante para sua formação e para o desenvolvimento da companhia?
Toda a minha formação cultural se deu em Londrina, primeiro como ator do Grupo Delta, onde tive a rara alegria de trabalhar com o José Antonio Teodoro, que considero um mestre. A montagem de “Toda Nudez Será Castigada”, do grupo Delta, levou a gente até em Nova Iorque, numa época em que éramos realmente muito jovens. Depois, vieram todos os contatos que o FILO proporcionou para minha geração, ali no final dos anos 80 e boa parte dos anos 90. Todo esse movimento de estabelecer a suma importância do FILO, liderado pela Nitis Jacon, foi essencial pra construção de uma identidade cultural em Londrina. É incrível pensar que a gente viu os maiores mestres do teatro mundial, os grupos mais importantes, nos palcos da cidade, e que a gente conseguiu trocar com esses caras de uma maneira muito franca. Londrina tinha uma atmosfera cultural impressionante, não era só o teatro, era a música, a poesia, a dança. E houve um momento fundamental para o Armazém na cidade, que foi a montagem de “A Tempestade”, que dirigi em 1994, com o Paulo Autran interpretando Próspero, um dos personagens fundamentais na obra de Shakespeare. A gente conseguiu trazer o Paulo Autran, o maior ator brasileiro, para morar em Londrina durante três meses e montar “A Tempestade” com a gente. Foi absolutamente incrível. O espetáculo foi às margens do Lago Igapó e foi apresentado nos 60 anos de Londrina. Londrina é realmente fundamental na minha formação.
SERVIÇO:
“Brás Cubas”, com Armazém Companhia de Teatro (Rio de Janeiro/RJ)
Quando: sábado (15) e 16 (domingo), às 20h30 (no sábado haverá intérprete de LIBRAS)
Onde: Cine Teatro Ouro Verde (Rua Maranhão, 85)
Ingressos: ESGOTADOS
Realização: Usina Cultural
Apoio: Casa de Cultura da Universidade Estadual de Londrina, Rádio UEL FM
e Folha de Londrina
Patrocínio: Prefeitura de Londrina / Secretaria Municipal da Cultura / Programa
Municipal de Incentivo à Cultura (Promic)
Mais informações: www.filo.art.br
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FICHA TÉCNICA
“Brás Cubas”, com Armazém Companhia de Teatro (Rio de Janeiro/RJ)
Duração do espetáculo: 110 min
Classificação indicativa: 14 anos
Direção: Paulo de Moraes | Dramaturgia: Maurício Arruda Mendonça |
Montagem: Armazém Companhia de Teatro | Elenco: Sérgio Machado, Jopa
Moraes, Bruno Lourenço, Isabel Pacheco, Felipe Bustamante e Aline Deluna |
Músico em cena: Ricco Viana | Cenografia: Carla Berri e Paulo de Moraes |
Iluminação: Maneco Quinderé | Figurinos: Carol Lobato | Direção Musical:
Ricco Vianna | Preparação Corporal: Patrícia Selonk e Paulo Mantuano |
Colaboração na Dramaturgia: Paulo de Moraes | Designer Gráfico: Jopa
Moraes | Fotografias: Mauro Kury | Cabeça do Hipopótamo: Alex Grilli |
Assessoria de Imprensa: Ney Motta | Direção de Produção: Patrícia Selonk |
Produção: Armazém Companhia de Teatro

