O Cine Teatro Ouro Verde ficou lotado na abertura do Filo (Festival Internacional de Londrina), apresentação do espetáculo “Estudo n° 1: Morte e Vida”, do grupo recifense Magiluth, na noite de sábado (17). Eles voltam ao palco neste domingo (18), às 20h30.

Com inspiração na obra “Morte e Vida Severina”, do poeta João Cabral de Melo Neto, o estudo mostrou a Londrina um pouco de como os artistas compreendem a montagem teatral.

Projeções, podcast, música, dança e até mesmo uma integração tecnológica, com um dos atores participando “ao vivo” do Lago Igapó - um aceno aos londrinenses, com certeza - deram o tom do espetáculo que, apesar de provocar riso em muitos momentos, tem a crítica social como pilar central.

No fundo, a plateia é personagem viva da obra, aplaude, ri e observa, atenta, os momentos mais marcantes de “Estudo n° 1”, que trazem cenas, recortes a partir da perspectiva de cada um dos quatro - e depois cinco - atores que estão no palco.

A ideia de experimentação, ou até mesmo de um metateatro, é tão marcante que o espetáculo se desenrola exclusivamente a partir dos atores, que conduzem a parte técnica, projetam imagens em uma tela e pesquisam na internet. Tudo acontece e é explicado para o público, que é partícipe nesse processo.

E a crítica é central porque a migração forçada - pelo desamparo econômico e desastres climáticos, por exemplo - torna-se cada vez mais presente. É um diálogo sincero com a obra “Morte e Vida Severina”, mas que expande a problemática para os dias de hoje. À esta FOLHA, Giordano Castro, um dos atores que conduzem a apresentação, ressaltou que não há mais um estereótipo de Severino enquanto nordestino retirante, e que “somos todos Severinos”.

Um exemplo disso é a luta pela terra e a exploração do trabalho. Um dos atores, pedalando em uma bicicleta, conta a história do entregador Thiago Dias, que morreu em São Paulo em 2019 após sofrer um AVC (acidente vascular cerebral) durante uma entrega. Talvez esse seja o trecho mais emocionante do espetáculo, em que se evidencia a precarização da mão de obra e a invisibilidade (ou insignificância) da vida do trabalhador. O ator cai no palco e fica imóvel no restante da apresentação, inclusive no final, enquanto a plateia deixa o Ouro Verde.

Em outro momento, os atores discutem entre si os impactos do aquecimento global e o sem-número de pessoas que terão, nas próximas décadas, de mudar à força dentro de seus próprios países ou cruzar fronteiras. Kiribati, pequeno arquipélago no Oceano Pacífico que pode ficar inabitável devido às mudanças climáticas, é constantemente citado.

Há um momento em que dois atores, dividindo a plateia do Ouro Verde em dois territórios, tentam entrar em um acordo para reduzir a poluição - esforço em vão, já que a conversa termina numa declaração de guerra.

Mas esses são apenas alguns dos casos da realidade brasileira que são utilizados para “atualizar” a obra de João Cabral e que, a todo momento, são tão corriqueiramente esquecidos por nós que a frase “mas isso ainda diz muito pouco”, sempre repetida, serve para pontuar que os Severinos estão por aí, iguais em tudo e na sina.