Filme traz tendências autorais
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domingo, 29 de outubro de 2000
Zeca Corrêa Leite De Curitiba
A diretora Ana Carolina esperou dez anos para, finalmente, ter seu filme Amélia nas telas. Enquanto cuida de seu destino, tem que pensar na captação de recursos que acontece entre novembro e dezembro para dois novos roteiros, um média e um longa-metragem. Se eu quiser filmar em 2002 preciso captar agora. É terrível. Antecipa apenas o média-metragem: será uma abordagem sobre Gregório de Mattos em Lisboa, a volta ao Brasil e o degredo.
Se conseguir convencer o maestro Sílvio Barbato, da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional de Brasília, em abril de 2002 fará a direção da ópera Salomé, de Verdi. O convite foi feito, a data existe, só falta a definição do espetáculo. Também se dependesse dela, iria dirigir Morte na Catedral, de Becket. Seria o ideal, suspira. A seguir, a entrevista concedida à Folha2:
Quais as expectativas do lançamento de Amélia aqui no Sul?
Primeira coisa: Curitiba está representando para mim, em termos de carreira do filme, o ponto que vai irradiar a distribuição de todo o território que compreende o interior do Estado de São Paulo, Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre. Esse é o território de distribuição que ainda está virgem. O filme entrou muito bem em São Paulo e no Rio, dia 25 de agosto. Em São Paulo foi espetacular em termos de imprensa, de crítica, de público. Está na décima semana nessas capitais. Fez ainda Belo Horizonte, Vitória e Salvador, o que é uma carreira interessante para uma produção independente.
Por que independente?
Amélia não é um filme de grupo forte, como está acontecendo agora no cinema brasileiro, com Eu, Tu, Eles, O Auto da Compadecida, que são Globo-Paramount, Globo-Columbia. É um trabalho independente. Acho que Curitiba vai ser a caixa de ressonância por este centro-sul.
O sucesso de Amélia reflete uma identificação do público com o filme?
Amélia cria uma empatia. Em São Paulo e Rio ele é aplaudido no meio e no final das exibições. Poderia ser até um filme popular, mas como o sistema de lançamento é muito fechado, independente demais, demora mais para entrar na mídia. Porém, não é um filme difícil de público. É facílimo. Apesar de ser sofisticado como tema e como tratamento, faz uma boa performance. Estou muito contente com ele.
Como este filme se situa dentro de sua obra? Cria um rompimento?
Ele rompe, tem que romper, né? Eu vim do documentário, entrei na trilogia (Mar de Rosas, Das Tripas coração, Sonho de Valsa) que tem um único tema: uma espiral reflexiva sobre a questão do poder na família nas instituições. Passaram-se dez anos e aparece Amélia, que é um filme na terceira pessoa; uma história que passa mais longe de mim. Portanto, tem outra narrativa, outro estilo de humor. É bastante diferente dos outros.
Com esse distanciamento é mais fácil trabalhar?
Um pouco. Você não fica tão prisioneira das suas impressões. Processei na cabeça que estava contando uma história. E a trilogia, por sua vez, era impressionista.
A relação das matutas mineiras com a grande atriz francesa, sem saber quem ela era, me passa como uma crônica de inocência.
Exatamente. Naquele momento ela era a mulher mais importante do mundo. Quem era a grande diva entre 1880 até 1914? A Sarah Bernhardt representava a cultura francesa, a civilização, a comunicação. Ainda não era um mito, mas estava a caminho. E de repente entra pela sua casa adentro aquela mulher para quem tanto faz como tanto fez, o que é a melhor parte da festa.
O seu filme insere-se num bom momento do cinema brasileiro?
Estamos num momento positivo, numa boa hora de aparecer. No entanto, meu filme surge numa hora em que ele é mais independente do que jamais foi. Isso porque estamos vivendo um momento do cinema brasileiro em que os grupos fortes se fazem. Os grandes sucesssos, agora, são ligados às companhias estrangeiras que se representam no Brasil Columbia, Warner, Fox, Tri Star e o grupo forte que é a Globo Filmes, que está surgindo. Aí aparece Amélia solitária, independente.
Tem um preço a pagar?
Sim, que é o de ter uma mídia rarefeita em comparação com a mídia dos grupos fortes. Em compensação, o valor que eu ganho com isso é saber que estou correndo numa pista de filme autoral, com um tratamento de pesquisa de linguagem num filme que trabalha com afinco na questão da identidade nacional. Isso é importante para mim, e para o espectador também.
Quer dizer que neste instante você é a pioneira da raia onde está?
Sempre fui pioneira, sempre corri sozinha. Antes, corria sozinha porque não tinha mulher no cinema, depois corria sozinha por causa dos meus temas. Estou acostumada a correr por fora, e sempre chego lá.