“Nunca mais fui a mesma depois daquele verão.” Esta a frase que a protagonista Maria (Marlene Burow), 19 anos, poderia justificadamente usar no final do drama alemão da diretora Emily Atef, “Um Dia Nossos Segredos Serão Revelados” – só que no caso dela, as ressonâncias seriam mortalmente sérias, não apenas do ponto de vista pessoal, mas também politico.

Baseado no romance de 2011 de Daniela Krien, o filme é uma história de amadurecimento tanto para sua heroína quanto para a Alemanha no

inicio dos anos 1990, época em que o país fazia a dificil transição para a era contemporânea. O filme é a estreia do Ouro Verde na próxima segunda feira (10).

A realização de Atef aborda o tema do desejo-tabu com destemida franqueza. Emocional e eroticamente intenso, elegantemente elaborado e interpretado em especial por uma jovem talentosa em ascensão (Burow), é o mais recente trabalho da diretora alemã-iraniana Atef, que sucede seu filme estrelado por Vicky Krieps de 2022, “More Than Ever”, e marca um retorno a Berlim, onde “3 Dias em Quiberon” iniciou sua carreira de sucesso em 2018. O novo filme de Atef, drama em pequena escala que, no entanto, atinge invulgar riqueza melodramática, é o de maior sucesso dela (é seu quarto longa) até agora, especialmente dada a demanda recente por histórias inteligentes contadas a partir da perspectiva do desejo feminino.

LUTA INTERNA

Na trama, a cineasta retrata uma mulher em luta consigo mesma, para quem as circunstâncias e o seu próprio sol interior (parece sempre verão nesta história) revelam um conflito onde tudo indicava que havia uma vida sem grandes expectativas numa fazenda familiar na Alemanha Oriental na época da Reunificação. Este romance entre ela, rebelde e idealista, mas sem vontade de mudar seu destino, e Hennes (Felix Kramer), homem maduro e rude que une sua incapacidade de escapar de si mesmo à dela, consegue superar clichês graças ao trabalho de Marlene Burow e às pequenas costuras do que resta do abismo entre o Oriente e o Ocidente. Que no entanto não são plenamente suficientes para servir de metáfora ao percurso dos personagens. Mas acrescentam cor às suas vidas.

Talvez a definição (ou a indefinição...) do período histórico permita à Atef explorar esse tipo de assunto problemático: ambientado em 2023 seria uma narrativa provavelmente diversa e de resolução complicada. O filme dela é também sobre a raiva, o poder e a submissão no sexo, a dor não reconhecida no desejo e no prazer, a raiva masculina e o ódio de si mesmo. É também sobre como a experiência sexual tem uma

dimensão política e histórica misteriosa, uma dimensão que pode torná-la não propriamente bonita. Certamente não há nada de obviamente libertador para Maria, apesar do suposto interesse “lírico” de Hennes pela poesia de Georg Trakl, poeta expressionista austríaco do inicio do século 20 e cuja leitura herdou de sua infeliz mãe.

FORÇA NARRATIVA

“Um Dia Nossos Segredos Serão Revelados” é filme veemente, com uma força narrativa motriz e um forte senso de tempo e lugar.

Há algo um pouco novelesco (ou telenovelesco, dependendo do ponto de vista) nesse romance entre a garota da casa principal e o homem rude que mora no lugar mais próximo de uma fazenda que conseguem encontrar, naquele momento e naquela época.

Os atores lidam bem com isso e são críveis – as cenas de sexo ajudam nesse sentido.

É um romance de fronteira, e tudo neste tórrido filme nos fala sobre limites, limites que devem ser ultrapassados, correntes que seus personagens estão prestes a quebrar, mas nem sempre sabem como.