Filme sobre o 11 de setembro questiona quanto vale a vida
Um drama sóbrio e exemplar na Netflix expõe vários dilemas sobre os efeitos da data fatídica
PUBLICAÇÃO
quinta-feira, 09 de setembro de 2021
Um drama sóbrio e exemplar na Netflix expõe vários dilemas sobre os efeitos da data fatídica
Carlos Eduardo Lourenço Jorge

E...de volta ao streaming. Não apenas porque salas & telas recentemente disponíveis (de novo) ainda estão longe de oferecer a recompensa merecida para neutralizar o jejum pandêmico imposto ao público, mas principalmente porque quem anda distribuindo conteúdo multimídia via internet através de pacotes ficou agora (que o jogo mudou) mais disponível e mais interessante que nunca. E a sala de estar permanece a opção (ou variante ?) mais adequada a este estado de coisas. A Netflix, para tomar um exemplo vulgarizado in extremis.
O filme “Worth”, estreia deste início de setembro, foi originalmente lançado pela provedora (e produtora) de filmes e séries de televisão em janeiro de 2020 no Festival de Sundance. Fatalmente, a carreira comercial de “Quanto Vale ?” (título brasileiro) se viu alterada pela primeira onda da pandemia. Seu lançamento mundial tardio via streaming, entretanto, não parece uma consequência ruim: além de ter sua estreia mundial guardada para a véspera do vigésimo aniversário da tenebrosa tragédia do 11/09/2001 – neste sábado, a propósito –, o terceiro longa metragem da italiana Sara Colangelo é o tipo de filme que costuma angariar seguidores nessa plataforma ao ser incluído na alta rotatividade dos algoritmos.
Em parte baseado no livro “What is Life Worth ?”, no qual o advogado especializad Kenneth Feinberg descreve o complexo desenvolvimento e constituição de um fundo estatal destinado a financiar as indenizações das famílias das vítimas do ataque das Torres Gemeas, o filme é um daqueles contos morais clássicos com arco dramático transparente e inspirador. A particularidade do personagem central Feinberg é um desafio, certamente antipático: ele e sua equipe de colaboradores é especializada em pregar um número nas fichas dos mortos, seja como consequência de um acidente aéreo ou pelo envenenamento via Agente Laran já, entre outros casos de repercussão.
Feinberg (um Michael Keaton preciso, a principio um gélido cínico idiotizado pela objetividade, aos poucos se relevando um profissional acuado pelo nervosismo apenas visível por trás de uma densa camada de autocontrole) oferece a mais perversa versão acadêmica-capitalista na qual se discute o valor da vida humana. A apenas alguns dias para a data fatídica , o protagonista não imagina que logo deverá fazer si mesmo a mesma pergunta, como responsável por um fundo de compensação desenhado para evitar uma hecatombe econômica para as companhias aéreas. Pragmático a um passo da crueldade, sua apresentação diante de um grupo de viúvos , viúvas, órfãos, pais e demais familiares enlutados é um fracasso absoluto. Mas entre a plateia Feinberg encontra no familiar de uma das vitimas ( Stanley Tucci) o inimigo franco e honesto capaz de, apesar de tudo, oferecer ajuda genuína a quem deve derrotar na arena midiática e legal.
“Quanto vale a vida?” é a história de um homem cujo vínculo cada vez mais estreito com os familiares das vítimas acaba por transformá-lo em sua fibra mais íntima, dando uma guinada radical nas possibilidades de derrotar, ainda que não seja muito, a injustiça econômica provocada pelo tal fundo. Não é um conto de fadas – o tom do filme é o naturalismo mais tradicional, mas uma nova versão do conto quixotesco de um homem contra o sistema, embora neste caso o herói seja parte essencial, a princípio, desse mesmo sistema, desse status quo mesquinho e obsoleto. A porcentagem de assinaturas que a equipe deve obter antes do prazo fatal é um elemento de suspense que quase banaliza este filme que é muito mais interessante na abordagem do que na execução. É um filme rico em matizes, com bem dosada força emocional. O que permite ao elenco principal ir além do melodrama e se aproximar de algo verdadeiramente genuíno.

