Neste ponto de sua longa e fascinante carreira profissional (embora de poucos filmes), o diretor Paul Thomas Anderson, ou PTA, como é mais conhecido em rodas cult, acaba de ratificar que sua praia é um drama pleno, e que o maravilhoso toque de comicidade de outrora desapareceu em grande parte ou acabou se liquefazendo em um sutil sarcasmo. Nesse sentido basta pensar por um lado sobre o que aconteceu com suas propostas mais recentes, o semifrustrado e supostamente engraçado “Vício Inerente”, (2014), um tanto excessivo, redundante e discursivo; e “A Trama Fantasma” (2017), brilhante joia dramática sobre um estilista britânico, Reynolds Woodcock (Daniel Day-Lewis), e sua relação ambivalente com uma jovem chamada Alma (Vicky Krieps).

E por outro lado, num tempo mais distante, àquele punhado de dramas memoráveis ​​da época, como “Jogada de Risco” (1996, inédito no Brasil), “Sangue Negro” (There Will Be Blood, 2008) e “The Master” (2012) contrapõem-se uma proposta mista de muito sucesso, “Prazer Sem Limites” (Boogie Nights, 1997), outra menos interessante mas com ingredientes bem aceitáveis, “Magnólia” (1999), é uma raridade absoluta e quase surreal, “Embriagado de Amor” (Punch-Drunk Love, 2002), uma das poucas atuações notáveis de Adam Sandler.

Alana (interpretada por Alana Haim) e Gary (Cooper Hoffman) vivem o casal romântico do filme unido pelas diferenças
Alana (interpretada por Alana Haim) e Gary (Cooper Hoffman) vivem o casal romântico do filme unido pelas diferenças | Foto: Divulgação

Para seu novo, mais acessível e esplêndido filme em exibição em Londrina (confira programação de cinema no site da FOLHA), “Licorice Pizza”* (2021), fica bem claro que Anderson se propôs a alcançar uma espécie de “solução negociada” entre seus dois registros narrativos favoritos e redirecioná-los para o que podemos definir como sua realização mais simples e austera até hoje, uma espécie de história de aprendizagem/amadurecimento (aquilo que os criticos literários chamam de bildungsroman, ou romance de aprendizagem ou de formação). Um registro que apela tanto ao humor bizarro padrão do cineasta, quase sempre brincando com insultos, quanto à natureza imprevisível, sonhadora ou neurótica das criaturas na tela e suas várias compulsões, bem como a angústia mal disfarçada desses mesmos protagonistas que costumam transitar entre uma falsa segurança/autoconfiança e uma evidente indecisão diante de uma sociedade mesquinha e canibal que impõe sua coleção de regras.

icon-aspas Os dois atores trazem a juventude genuína aos seus personagens

Tentativa amena (e simplificada – PTA é sempre multifacetado) de síntese: “Licorice Pizza” é uma história refrescante e carismática que funciona como uma carta de amor para a Califórnia e para os anos 1970 (73, mais precisamente). É um filme sobre amadurecimento, sobre a fama, o ímpeto da juventude (e do amor), tendo como pano de fundo o San Fernando Valey que o diretor conhece tão bem (sim, em grande parte é autobiografico; o pano de fundo californiano ameaça mas não chega a saturar a trama).

Seus dois personagens são Gary (Cooper Hoffman, filho do parceiro de longa data de PTA, o falecido Philip Seymour Hoffmann) e Alana (Alana Haim, um terço das irmãs da banda feminina de rock indie Haim, de LA). Ela é mais velha que ele, impetuoso e permanente candidato a jovem empreendedor. Os dois atores trazem leveza e juventude genuína aos seus respectivos personagens, Alana, uma fotógrafa de 25 anos, e Gary, um ator juvenil de 16 anos. A indecisão de Alana contrasta perfeitamente com a ambição e o charme de Gary, cada um incorporando elementos familiares da juventude – o diretor capta com notável naturalidade a sensação arrepiante de um primeiro (e geralmente avassalador primeiro romance – deliberadamnte, claro, PTA foge como o diabo da cruz “daquelas” comédias românticas).

No filme, Gary é um ator juvenil e Alana uma fotógrafa mais velha, os dois se apaixonam
No filme, Gary é um ator juvenil e Alana uma fotógrafa mais velha, os dois se apaixonam | Foto: Divulgação

Enquanto Gary e Alana flertam e correm um para o outro, PTA lança obstáculos: a diferença de idade, as personalidades conflitantes, a maneira como a imaturidade dele continua colidindo com a inteligência dela, a subcultura política e artística de Hollywood que ameaça devorar os dois – Bradley Cooper e Sean Penn aparecem como Jon Peters (marido na vida real de Barbra Streisand) e como o ator William Holden, respectivamente. São duas celebridades que contrastam com o otimismo e a juventude de Alana e Gary. Tanto Jon quanto William fazem avanços sexuais sobre Alana durante

o filme, referência óbvia aos assédios (não havia na época o #MeToo para cobrar publicamente de Hollywood...).

*Licorice Pizza é na verdade o nome de uma famosa loja de discos que existia nos anos 70 e 80, de acordo com o site Thrillist. O termo também é uma gíria para discos de vinil, que têm a aparência de alcaçuz (aniz) preto brilhante e são do

tamanho de uma pequena pizza.

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