"Sou um assassino", diz o jovem padre a uma paróquia incrédula. A afirmação pública logo é compreendida: é uma maneira de atrair a atenção de uma pequena comunidade que perdeu a fé após uma tragédia ter levado vários jovens locais.

O subterfúgio funciona. O clérigo, novo na região, produz um sermão poderoso. Surpreende e emociona os presentes, basicamente todos os habitantes de uma vila do interior da Polônia. O problema é que o truque do padre pode não ser uma mentira sensacionalista, e sim uma confissão.

É neste equilíbrio entre verdade e falsidade que "Corpus Christi", longa polonês que surpreendeu os especialistas ao ser indicado ao próximo Oscar de melhor filme internacional, se sustenta de maneira primorosa até o fim.

A trama segue Daniel (Bartosz Bielenia), um jovem de 20 anos preso em Varsóvia por um misterioso crime violento. Ele descobre a vocação para a liturgia durante o cárcere, mas, quando finalmente conquista a liberdade, não pode se inscrever em nenhum seminário por causa da sua ficha corrida. A única opção é trabalhar num moinho no interior que explora ex-prisioneiros –sob a justificativa de "dar oportunidades".

Na vila próxima ao local, Daniel é confundido com o novo padre enviado pela igreja e assume funções eclesiásticas com a ausência do velho líder da paróquia. "O falso sacerdócio é comum na Polônia", afirmou o roteirista Mateusz Pacewicz, durante um evento para votantes de prêmios cinematográficos em Hollywood. "Leio sobre novos casos todos os meses. É um fenômeno complicado e estranho."

As motivações para os casos são variadas, mas a grande maioria acontece por motivos financeiros ou por status social, em um país onde a Igreja Católica é uma instituição poderosíssima.

"A Igreja não quer falar sobre isso, porque mostra como qualquer um pode ser padre. Eles apenas varrem as histórias para baixo do tapete", explicou o diretor Jan Komasa em evento no sindicato americano dos diretores.

Um desses impostores virou uma obsessão para Pacewicz, que também é jornalista. Ele começou a pesquisar sobre um jovem que fingiu ser um padre em uma pequena cidade polonesa durante a celebração de Corpus Christi.

O roteirista foi ao vilarejo entrevistar os habitantes e descobriu que as pessoas da comunidade adoravam o falso religioso –excomungado depois do escândalo. Tanto que escreveram ao Vaticano quando o falsário foi desmascarado. Pacewicz escreveu, então, um livro sobre a história e foi convidado a assumir o roteiro de "Corpus Christi" para o cinema.

O personagem de Daniel é ficcional. Um delinquente de 20 anos que descobre Cristo, mas não larga o cigarro, o álcool e o rock. É apaixonado por motocicletas, quer deixar o passado para trás e não acredita que seu futuro precisa pagar pelos erros do passado –depois de pagar por isso aos olhos da Justiça.

É o invólucro perfeito para o filme conversar sobre segundas chances, a hipocrisia da Igreja e compaixão.

"Levantamos questões sobre religião versus fingimento, fraudes, papéis sociais e a verdade interior", disse Pacewicz. "Daniel é um mistério, não conhecemos toda a sua história, apenas o que o filme mostra", completou o ator Bartosz Bielenia.

A grande diferença do personagem para os protagonistas dos casos reais é sua vontade de se dedicar à Igreja de alguma forma. Mas a própria instituição que prega o perdão não aceita um ex-criminoso nas suas fileiras. A adoção dos princípios de igualdade e perdão do falso padre vem aos poucos, quando seus sermões apaixonantes e atitudes pouco ortodoxas conquistam o povoado. "Daniel quer ser alguém pelo menos uma vez na vida", disse o diretor.

"Não quis ser influenciado por algo que aconteceu nem personificar ninguém", revelou Bielenia, que trabalhou exaustivamente com Komasa para conseguir ganhar a forma física e mental do personagem que interpreta.

"Eu sabia desde o começo de que ele era capaz de fazer isso. Só precisava ganhar 10 quilos e mais músculos", lembrou o diretor na sede do sindicato dos diretores. "Queria que ele virasse um hooligan."