"Eu quero que você me ajude a terminar, você me entende?"

Quando um pai idoso, muito debilitado, transfere à filha esse tipo de súplica, o impacto é duro, a percepção do fim inevitável surpreende como uma nova fase de degradação física que os familiares enfrentam da melhor maneira possível, entre o voluntarismo e o otimismo forçado, a negação da mortalidade humana, a óbvia tristeza e o desânimo, mas também o acompanhamento carregado de sentimentos paradoxais de amor e dor, crus e sóbrios.

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Em “Tout Va Bien”, em exbição em Londrina, o sempre instigante diretor François Ozon foca-se neste momento angustiante da vida. O filme estreou em competição ano passado na volta presencial do Festival de Cinema de Cannes, e é uma adaptação livre da autobiografia homônima da premiada escritora Emmanuèle Bernheim – e também

fonte do documentário visto em Cannes em 2019 no documentário “Être Vivant et le Savoir”.

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. | Foto: Divulgação

Para Emmanuèle (Sophie Marceau), tudo começa com um telefonema em setembro: seu pai, André (o excelente André Dussollier), 85, sofre um vasto AVC. Envolta no corre-corre do hospital com a irmã, Pascale (Géraldine Pailhas), a escritora resiste ao pessimismo (“é forte, ele já se recuperou de tudo”), agenda visitas ao pai, luta num turbilhão de sentimentos por alguém que foi muito descuidado com ela em sua juventude (os vemos em alguns flashbacks) e alguém de natureza particularmente teimosa. Mas a saúde de André se deteriora rapidamente e ele logo pede ajuda à filha para morrer.

Enquanto as dúvidas persistem sob a forma de esperanças efêmeras de recuperação, a ideia aos poucos encontra seu caminho. Em dezembro, o responsável pela associação "Direito de Morrer com Dignidade” chega a Paris vindo da Suíça. Juntas, Emmanuèle e Pascale preparam a última viagem do pai, mas nem tudo é tão fácil (além das montanhas-russas emocionais da situação), pois as duas irmãs podem cair sob o peso da lei francesa e, como o pai fala demais, parentes tentarão atrapalhar o projeto.

O tema da morte está presente em vários filmes de François Ozon (notadamente “Sob a Areia”, “O Tempo Que Resta”, “Meu Refúgio” e “Frantz”, todos exibidos pelo Cine Com-Tour/UEL). Mas o diretor nunca havia abordado o tema de forma tão direta, dissecando o processo com grande domínio das elipses (a trama vai de setembro a abril) e uma calculada dose de drama, no universo de uma pequena família "normal"; (com seus diferentes personagens, muito bem interpretados, e seus segredos ocultos). Sem recuar da possível reticência psicológica de enfrentar um filme como este após muitos meses de Covid e sua consequente crise sanitária, e trazer à mesa uma questão tão importante como a eutanásia, o cineasta convida as platéias a um debate público universal.

A narrativa tem um tom casual, nada sinistro, e é claro o objetivo de Ozon: desconstruir o drama. Como? Desdramatizando a eutanásia e conversando sobre aquilo que se entende como exercício da liberdade individual. E sobre uma família disfuncional. Talvez por isso "Está Tudo Bem" seja um filme tão funcional, e talvez por isso seja permeado de um humor um pouquinho macabro, que retira o timbre de “tabu social” do suicídio assistido para focar na relação afetiva entre um pai mal-humorado (André Dussolier) e uma de suas filhas (Sophie Marceau), a escolhida para ajudá-lo a morrer.

Acho, finalmente, que deve se agradecer a falta de catarse e a naturalidade com que Ozon evita a tentação de fazer seu filme discursar ou se posicionar com solenidade judiciosa sobre um Grande e Maldito Tema. Mas à sua maneira ele se posiciona, sim.

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