Jodie Foster interpreta uma advogada em "O Mauritano" e ganhou o Globo de Ouro pelo papel
Jodie Foster interpreta uma advogada em "O Mauritano" e ganhou o Globo de Ouro pelo papel | Foto: Divulgação

Os Estados Unidos tem uma longa tradição de cinema de guerra, mas mesmo nos filmes mais críticos existe um patriotismo subjacente, uma referência ao mito fundador do país. Nesse contexto, o filme do escocês Kevin MacDonald ,“The Mauritanian”, é atípico e subversivo: um homem, o muçulmano nascido na Mauritânia, Mohamedou Ould Slahi (Tahar Rahim), recolhido na prisão infame de Guantânamo, preso por quinze anos sem culpa formada, busca reconquistar sua liberdade no contexto da chamada guerra contra o terrorismo desencadeada pelos EUA logo após o 11 de Setembro das Torres Gêmeas.

Ao diretor MacDonald interessam histórias sobre a decepção (lembram-se de “O Último Rei da Escócia ?”) e como processos de extrema desumanização como este, de cunho claramente religioso, acabam sugando a humanidade de seus personagens. Mais que as duas maternais e íntegras advogadas vividas com exemplar convicção por Jodie Foster (Globo de Ouro pelo papel) e Shailene Woodley, o personagem-chave da trama é o militar interpretado com não menos vigor e inspiração por Benedict Cumberbatch.

É ele quem vai compreender em plenitude a progressiva e dolorosa via crucis de torturas e vexames sofridas em Guantânamo pelo falso culpado e a assumida gélida desumanidade estereotipada do exército , de seu país e da “democracia”. É nos closes de Cumberbatch, muito parecidos aos de Kirk Douglas em “Glória Feita de Sangue” (Stanley Kubrick, 1957), que aquilo que ele denuncia nos fere e de certa forma nos faz cúmplices.

Tanto Tahar Rahim, ator francês de origem argelina que ficou conhecido graças a seu papel protagonista no premiado “Um Profeta” (exibido em Londrina há dez anos no Cine Com-Tour/UEL) quanto Jodie Foster entregam à história a densidade e a credibilidade necessárias. Também há funcionalidade na escolha de formas de narração para expor a trama (baseada nos “Diários de Guantânamo”, livro autobiográfico de Mohamedou Ould Slahi).

“O Mauritano”não é peça muito palatável. Mas é sempre bom conhecer os mecanismos da coisa, sua funcionalidade abjeta. É eficiente enquanto drama real impactante, um drama que condena o tratamento que os detidos da era Bush (com respingos em Obama) dispensou aos detidos em Guantânamo. É mais eficaz que qualquer ficção recente, e sua exibição e comovente e trágica a um só tempo.