“Filhos? Melhor não te-los / mas se não os temos / como sabe-lo?” – esses pronomes assim corretos conforme a gramática são, porém, avessos à linguagem de Vinicius de Moraes em suas poesias e canções. Só aqui o poeta usa uma linguagem gramaticóide, que entretanto só ressalta a travessa ironia da sua pergunta.

Realmente, como saber se ter filhos é bom a não ser tendo filhos? Só os solteirões poderiam responder a essa pergunta com credibilidade, mas eles justamente podem alegar que, por não conhecer a paternidade, não podem comparar. E ter ou não ter filhos poderia ser o dilema mais compartilhado e perene do mundo, superando até o famoso ser ou não ser, não fosse a senhora Paixão sempre entrar em cena.

A senhora Paixão tem suas fábricas, as glândulas produtoras de hormônios, que fazem gente se apaixonar e transar e casar antes de poder com madureza decidir isso que afetará toda a vida depois.

Os hormônios, com a determinação de quem trabalha para a preservação da espécie, estarão a serviço da atração mútua e sempre visando a reprodução. Acionam mudanças em todo o corpo, o bigodinho nos rapazes, os seios nas mocinhas etc. Mas só lá pelos vinte anos ou mais nos acharemos prontos para o total processo que vai dos primeiros olhares até juntar escovas de dentes. E lá vem filhos, todos exigindo fraldas e tudo mais, mas ao menos encontrando pais mais preparados do que ainda na adolescência, entretanto a faixa de idade hoje com maior aumento de maternidade.

Mas também, conforme o IBGE, entre 1974 e 2014 a idade média das mulheres que casam pela primeira vez subiu de 23 para 27 anos, e entre os homens dos 27 para 30 anos. Ou seja, o Juízo está enfrentando a Paixão! É duelo primordial, como entre Honestidade e Venalidade, Verdade e Mentira, Humildade e Vaidade. Rumamos para o caminho do meio, não ter filhos quando muito jovens nem quando “velhos” demais.

O número médio de filhos caiu 25%, outra notável conquista do Juízo. Menino ainda vi o final do tempo em que ter muitos filhos era inevitável para muitos casais, tive avós com cinco e nove filhos, e o pai de minha mulher teve vinte irmãos. Olhando com eco-olhos, dá para ver que, se já causamos tantos males ao planeta com população de quase oito bilhões, se aquela fertilidade continuasse, junto com a baixa mortalidade infantil de hoje, o futuro seria certamente desastroso.

Então melhor ter poucos filhos, Vinicius, e naquela idade em que a Paixão não mais comanda, quando sabemos que amor é muito mais que só arrebatamento.