Festival É Tudo Verdade traz o melhor do documentário
PUBLICAÇÃO
sábado, 08 de abril de 2000
Por Luiz Carlos Merten
São Paulo, 09 (AE) - Desde quinta-feira em exibição no Rio, o 5.º É Tudo Verdade - Festival Internacional de Documentários desembarca amanhã (10) em São Paulo para mostrar, até dia 16, o que de mais importante se faz no gênero, na atualidade, em todo o mundo. É uma realização da organização Kineforum, com apoio do Ministério da Cultura - Secretaria do Audiovisual, do Itaú Cultural, do Centro Cultural Banco do Brasil (no Rio), do Sesc São Paulo, do Centro Cultural São Paulo
da Secretaria Municipal de Cultura (de São Paulo) e da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo.
A sessão inaugural de amanhã é fechada, privativa para convidados. Vai mostrar, às 21 horas, no Cinesesc, "Saudade do Futuro", de César Paes, uma co-produção entre Brasil e França. A partir de terça-feira, começa a programação para o público. O primeiro dia estará repleto de atrações. Terá um dos destaques do festival deste ano, que o próprio organizador e diretor do evento, o crítico Amir Labaki, não hesita em apontar como uma das realizações mais significativas desses cinco anos.
A Retrospectiva Brasil vai exibir os dez maiores documentários brasileiros de todos os tempos, escolhidos por críticos e realizadores. Leon Hirszman é o destaque do primeiro dia, com o maravilhoso "Imagens do Inconsciente". Na quarta, decola a Retrospectiva Joris Ivens, que traz a São Paulo, com a cumplicidade do Arquivo Joris Ivens, da Holanda, 22 obras do genial artista holandês. Além dessas retrospectivas e das tradicionais competições nacional e internacional, a 5.ª edição do festival apresenta uma novidade importante, que vai dar o que falar.
A nova seção O Estado das Coisas vai atualizar o público com as novas tendências do documentário mundial. E ainda haverá uma homenagem a Rean Rouch, o cineasta que se destacou por suas pesquisas no chamado cinema verdade, ou direto. Serão exibidos 104 documentários de 26 países, muitos habilitados para concorrer nas competições nacional e internacional, que dão, além de troféus, prêmios em dinheiro. São 18 títulos na competição internacional e 13 na nacional. Labaki diz que nunca houve tantas inscrições de produções brasileiras.
Confirmando a fase de revitalização pela qual passa a produção de documentários no País foram inscritos 132 trabalhos, um recorde. O júri internacional é formado pelos diretores Sílvio Tendler e Helmut Bitomsky e por Diane Weyermann, do Soros Documentary Fund. O brasileiro, por Eduardo Escorel, Jean-Claude Bernardet e pela jornalista Rebeca Kritsch, do jornal "O Estado de S.Paulo".
O cinema nasceu documentário, em 1895, quando os Irmãos Lumire instalaram sua câmera na porta das usinas da família ou numa estação de trens. Nos primeiros anos do século surgiu Georges Mélis, um mágico que percebeu o potencial do cinema para desenvolver e expressar suas fantasias. Com ele o cinema não se tornou apenas ficcional. Mélis abriu as portas para a fantasia e o maravilhoso, que se tornaram tendências fortes, determinantes até, depois que o cinema se consolidou como atividade industrial. O documentário permaneceu.
Robert Flaherty, Dziga Vertov e Joris Ivens, para citar apenas três nomes, concederam-lhe suas cartas de nobreza. Com eles o documentário deixou de ser simples registro da vida para tornar-se autoral. Poesia e engajamento - Ivens viajou pelos cinco continentes, armado com sua câmera. Armado é bem o termo, pois ele foi um artista engajado, realizando filmes desde uma posição de esquerda. Filmou o homem no trabalho, na natureza, a luta contra a opressão. Seu cinema começou ligado à vanguarda, com "De Brug" (A Ponte), em 1928. Prosseguiu com obras-primas da militância política, com filmes rodados na Espanha, durante a Guerra Civil, na Itália, na China, no Laos, em Cuba.
Os críticos gostam de destacar as duas grandes linhas do seu trabalho - o lirismo e o engajamento. Não são excludentes. Todo documentário político de Ivens tem sempre um traço lírico e seus documentários mais poéticos, como "A História do Vento", de 1988, alcançam sempre uma dimensão política.
"Cabra Marcado para Morrer", de Eduardo Coutinho, foi escolhido o melhor documentário brasileiro de todos os tempos. Será possível ver também, na competição nacional, um trabalho recente do diretor indicado para o Prêmio Multicultural 2000 Estadão Cultura - "Santo Forte", escolhido o melhor filme brasileiro do ano passado nas votações organizadas pelo Sesc e pela Associação Paulista dos Críticos de Artes.
Simultaneamente, o festival exibe outros títulos expressivos das novas tendências do documentário no País. Toda atenção para "O Rap do Pequeno Príncipe contra as Almas Sebosas", de Paulo Caldas e Marcelo Luna, na competição nacional, e para "Notícias de uma Guerra Particular", de João Moreira Salles e Kátia Lund, na internacional.
"O Rap" mergulha no cotidiano da periferia de Recife para contar a história de dois jovens, um rapper e outro, matador profissional. Caldas e Luna usam a música para discutir a violência urbana brasileira. Seu filme é profundamente encravado no movimento hip-hop. E provocou grande impacto no recente Festival de Recife.
"Notícias", finalista do Emmy Awards de 1999, também discute a violência urbana no País. O cenário é o Rio e os personagens são favelados, policiais e traficantes. O filme, a par de sua excelência, adquiriu grande notoriedade quando o diretor foi acusado de ligação com o traficante Marcinho VP. João Moreira Salles participa na quinta-feira à noite, na Sala Cinemateca, de um debate sobre cinema e violência com a participação de Fernando Gabeira.
Entre os documentários brasileiros que não participam da competição, mas serão exibidos na nova seção O Estado da Coisas, destaque para mais dois. "Gaivota", de Mari Stockler e Fabrizia Pinto, é um making of sobre o trabalho de criação e a montagem da peça "Da Gaivota", que Daniela Thomas adaptou da criação clássica de Chekhov. Logo no começo do vídeo, Daniela diz que a peça é um momento inaugural do teatro moderno. Usa a arte e os artistas para uma indagação existencial profunda.
Adiante, a própria Daniela diz que o momento-chave dessa indagação, o ser ou não ser da peça, é o nascimento do artista. Fernanda Montenegro, uma das atrizes, encerra o documentário dizendo que a indagação de Chekhov vai além da figura do artista para tratar de toda pessoa vocacionada. Grande Fernanda. Haverá debate amanhã, às 20 horas, no MIS, com as realizadoras e mais Daniela Thomas e Matheus Nachtergaele.
Outro destaque nacional fora de concurso: "A Invenção da Infância", de Liliana Sluzbach, projeto aprovado no concurso de médias-metragens do Minc no ano passado. A autora discute o que é ser criança, desde que o conceito surgiu. Conclui que, no mundo atual, em que a globalização da informação e do consumo nivela crianças e adultos e, principalmente, no Brasil, com suas desigualdades sociais profundas que atiram as crianças desde cedo no mercado de trabalho, ser criança não é garantia de ter direito à infância. É um belo e sensível trabalho.