Gramado (RS) - O 51º Festival de Cinema de Gramado, famoso por sua longevidade ininterrupta e o brilho que todos os anos envolve as celebridades que desfilam pelo tapete vermelho na Rua Coberta, teve nesta edição um momento de indesejada surpresa e muita consternação. Exatamente no dia da celebração de duas veteranas atrizes brasileiras, Léa Garcia e Laura Cardoso, homenageadas com o cobiçado prêmio Oscarito, uma delas, Léa, morreu aos 90 anos vitimada por um infarto no hotel onde estava hospedada, a poucas horas da entrega do prêmio.

O filho da atriz, o também ator Marcelo Garcia, recebeu o troféu em nome da mãe na noite de terça-feira (15), no início da primeira sessão do

festival. A homenagem à Laura, de 95 anos e que continua em Gramado, foi adiada para sexta-feira (18).

Léa Garcia: aos 90 anos, atriz faleceu pouco antes de ser homenageada no Festival
Léa Garcia: aos 90 anos, atriz faleceu pouco antes de ser homenageada no Festival | Foto: Globo

O debate-coletiva do longa de ficção exibido ontem, “Mais Pesado é o Céu”, de Petrus Cariry, foi aberto pelo ator Matheus Nachtergaele, que fez questão de homenagear a colega morta, com quem contracenou em “Trinta”, de Paulinho Machline. Inúmeros outros atores e atrizes ainda lamentam a perda de Léa, uma pioneira atriz negra, que brilhou inclusive no Festival de Cannes de 1959, atuando em “Orfeu Negro” (Palma de Ouro e Oscar de filme estrangeiro daquele ano), produção francesa de Marcel Camus, além de muitos outros trabalhos no cinema e na televisão.

Entre os longas e curtas-metragens exibidos até o momento (faltam dois dias para o final da exibição dos títulos concorrentes à premiação dos Kikitos), há evidentemente alguns que merecem atenção mais cuidadosa. Principalmente “Retratos Fantasmas”, o novo de Kleber Mendonça, que resiste a qualquer rotulação/classificação de gênero embora tenha sido exibido hors concours na abertura da mostra como documentário.

Escapando com poética habilidade das sempre traiçoeiras amarras do gênero, Kleber celebra suas raízes cinéfilas no Recife mesclando com rara inventiva a memorabília feita de lugares e gentes, entes e entidades, transformados em personagens e lugares, pessoas e sombras, espectros visuais e sonoros. O filme tem como endereço certo mentes habitadas por corações.

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“Angela”, de Hugo Prata, é a dramatização de clamorosa tragédia envolvendo a tristemente famosa socialite mineira Angela Diniz, assassinada a tiros pelo namorado abusivo e violento Raul Street, o Doca, em 1976. O crime passional teve intensa repercussão e desdobramentos no tribunal do júri, de onde, num segundo julgamento, o assassino saiu condenado a 15 anos de prisão – no primeiro júri ele foi absolvido por uma daquelas ficções do tipo “legitima defesa da honra”, figura jurídica que o STF há pouco deu fim definitivamente.

Em “Mais Pesado é o Ceu”, o cearense Petrus Cariri construiu uma parábola sobre os tempos atuais do Brasil, um Brasil que resiste a qualquer preço. Os símbolos desta resistência estão plenamente identificados. E, embora o filme tenha alguns problemas, ele resiste a isso como o próprio país resistiu nestes últimos anos.

E a questão da violência e dos abusos sexuais domésticos está presente com força no primeiro longa-metragem produzido no Tocantins e selecionado para Gramado. Dirigido por Eva Pereira, “O Barulho da Noite” é perturbador e de penosa assimilação pelo espectador. Fala do abuso de menores. No mínimo, leva o mérito de manter aceso o debate sobre um problema de difícil. O que não é pouco.

* O jornalista viajou a convite do Festival de Gramado.