Lidando na chácara, sinto nas mãos quanto temos para agradecer aos ancestrais. Matinhos brotam entre as placas de grama recém plantadas, então pego o firmino. É uma pequena barra de ferro com cabo de madeira e ponta em V, própria para enfiar na terra e arrancar matinhos com raiz, para que não voltem mais fortes. Não consegui confirmar na net que o nome é devido ao agrônomo inventor, mas há que agradecer também ao primeiro sujeito que um dia pegou um pau para cavoucar terra, nisso começando a criar o arado.

Imagem ilustrativa da imagem Ferramentas
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Sem arados não haveria colheitas para suprir a Idade Média e seus legados, a invenção da imprensa e a democratização do conhecimento. Hoje planta-se sem arados, as sementes enfiadas na terra sobre a palhada sem revolver o solo, mas durante muitos séculos o arado foi nosso provedor, e o firmino em minhas mãos é ancestral do arado.

Porém preciso de saco onde enfiar as ervas ditas daninhas que já estejam sementeando, se deixar pelo chão estarei plantando mato. Pego o saco e penso na grande invenção que foi um dia. Me vejo tão peludo quando nu, a catar frutas e sementes para levar à caverna onde a mulher espera com os filhos. Se for levar nas mãos tudo que cato, precisarei ir e voltar muitas vezes, me tornando caça para as feras pelo caminho. Mas desta vez trouxe comigo um couro do maior bicho que consegui matar há tempo, e a mulher raspou o couro, secou ao sol e, agora, dobrando e amarrando as pontas, faço um saco e pronto, levo muitas coisas para a caverna, conseguindo a acumular para o inverno, desafio da nossa sobrevivência.

Então pego um saco com o devido respeito, essa ferramenta sem ferro que porém nos permitiu começar a acumulação, a economia, a civilização. Encho o saco, levo o mato para queimar, volto com o saco pronto para continuar nossa - por que não? - relação.
Em seguida vou abrir cova para plantar, pego a escavadeira e fico matutando: como faziam para plantar uma semente no tempo anterior aos metais? Decerto tinha de ser depois de chuva, para trabalhar terra úmida e macia ou, sei por calosa experiência, é preciso muito suor para abrir um palmo seco de chão. As ferramentas, diz o antropólogo, são extensões funcionais de nossos braços e dedos, mas a escavadeira parece discordar, não está funcionando ou cavando como sempre.

Lembro da velha lima, que não lembro onde deixei mas enfim acho, limo a lâmina da escavadeira e pronto, volta a cortar terra como navalha corta barba. Como dizia nonno José, nada como trabalhar no que a gente gosta com a ferramenta certa e afiada. Um prefeito, por exemplo, que quer super aumento do mesmo imposto que não quis aumentar quando vereador, sofre por ter deixado de afiar a ferramenta no devido tempo... Governos que não cortam despesas mesmo nas crises, perdem a ferramenta do controle e vão colhendo caos...

E vou revendo as ferramentas tarde afora: a faca rasteira que é a enxada, o poder penetrante da picareta, o impacto cortante do machado, todos descendentes da primeira alavanca.
A broca a girar em círculos para penetrar retamente na madeira. O rastelo, esse primo da vassoura especializado em folhas. O catador de frutas, para não precisarmos de pescoço de girafa. A meticulosidade da peneira, a insistência certeira do martelo, o aperto providencial do barbante. A bucha a enfim tirar a terra entranhada nas mãos.
Num museu alemão está a primeira das máquinas, uma pedra chata com buraquinho no meio: ali o macaco colocava o coquinho para quebrar batendo com outra pedra. Alguns macacos fazem isso até hoje, enquanto nós evoluímos, quebramos até preconceitos, como pensar que ferramentas são apenas para nosso serviço. Não, são para nossa evolução.