São Paulo, 22 (AE) - O piano brasileiro tem Nelson Freire, o violoncelo tem Antonio Menezes e o trompete, um jovem paranaense nascido em São José dos Pinhais, Fernando Dissenha, solista do "Concerto n.º 1 em Mi Bemol Maior Hob VIIe:1", de Haydn, que será apresentado amanhã (23), às 21 horas, e sábado, às 16h30, na Sala São Paulo. Dissenha, aos 31 anos, é o primeiro-trompete da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), que vai tocar ainda a "Sinfonia n.º 100 em Sol Maior Hob.I-100"(Militar) de Haydn e a "Serenata n.º 2 em Lá Maior Op". 16 de Brahms.
Primeiro trompetista brasileiro a ser admitido na conceituada Juilliard School of Music, aluno de Chris Gekker, Mark Gould e Wynton Marsalis, Dissenha conquista agora o direito de lançar também o primeiro CD de música erudita contemporânea brasileira integralmente dedicado a seu instrumento. Compositores como Oswaldo Lacerda, Raimundo Penaforte e Hudson Nogueira escreveram peças especialmente para o trompetista, registradas nessa produção independente em que Dissenha toca acompanhado apenas pelo piano.
Foi com o mesmo concerto de Haydn que o trompetista garantiu seu posto na Osesp há dois anos. Desde então, os solos de Dissenha têm despertado a atenção do público que frequenta os concertos da sinfônica. Eclético, seu repertório vai de Haydn a transcrições de obras contemporâneas para grupos de metais, feitas quase como divertimento pelo músico. "Não tenho talento para compor, mas me arrisco em transcrições de temas de filmes"
diz, citando como seus compositores favoritos o americano Jerry Goldsmith ("Chinatown") e o libanês Gabriel Yared ("O Paciente Inglês").
Dissenha cresceu ouvindo de Bach aos Stones. É capaz de sair de um tristíssimo concerto de Mahler, chegar em casa e pôr os Beatles no toca-discos para relaxar. Tinha 12 anos quando virou fã do quarteto de Liverpool. "Quando o Lennon morreu, não parei mais de ouvir a banda, que foi pioneira no uso dos metais", lembra. Dissenha chegou a tocar algumas de suas músicas com a banda de rock que formou em São José dos Pinhais. Um irmão tocava bateria e outro arriscava solos de guitarra. O pai, dono de uma marcenaria, não toca nenhum instrumento, mas percebeu no filho um talento excepcional para a música.
Foi no mesmo ano da morte de Lennon, em dezembro de 1980
que Dissenha teve sua primeira grande experiência sonora. "Fui a um concerto da Orquestra da Universidade Federal do Paraná e ouvi uma peça muito barulhenta de Tchaikovski, provavelmente a Abertura 1812" , conta. "Em meio ao barulho, ouvi o som de um trompete que me arrebatou", lembra o músico, que na época tocava flauta doce numa banda. Foi também um músico de banda militar, Pedro Vital, seu primeiro professor, que o preparou para a Escola de Música e Belas-Artes de Curitiba.
Longe do Brasil - Chegando a São Paulo, Dissenha teve como primeiro mestre o trompetista Edgar Batista. Preparado, ganhou há oito anos uma viagem a Itália como prêmio, estudando em Anzio. Uma nova bolsa, desta vez concedida pela Fundação Vitae, o levou a Hartford, Connecticut, onde teve aulas com Chris Gekker, que o indicou para a Juilliard. Concorrendo com outros 53 candidatos, Dissenha foi admitido na escola em 1992, concluindo o mestrado na Juilliard com a assistência do primeiro trompete do Metropolitan Opera House, Mark Gould. Em 1995, o trompetista brasileiro surgiu para o mundo, tocando no Carnegie Hall ao lado do mestre. Resultado: o "New York Times" só falou do rapaz e publicou uma foto dele na respeitada página de crítica erudita. "Foi uma emoção muito grande, quase tão grande como a de ouvir o som do trompete pela primeira vez", define, creditando parte desse êxito às horas de estudo a que se dedica por dia.
Atrás dessa inspiração, diz, há muita transpiração. "Meu primeiro contato com a música de Bach veio de um muro de seminário ao lado de casa e percebi que aquilo não era só uma cantata, mas algo que não era só inspiração, mas uma coisa sagrada", diz. "A lição principal que aprendi é que um instrumentista não deve jamais abandonar os fundamentos da música."
Ao lado desse constante estudo das lições fundamentais, ele desenvolveu um projeto pessoal de abertura sonora, rejeitando padrões e ouvindo de tudo, de Louis Armstrong a Clark Terry, passando por Marsalis, Miles Davis e Philip Smith. Quando não está ouvindo jazz, Dissenha é um fanático torcedor do Clube Atlético Paranaense, mas já faz algum tempo que ele não vê seu time.
Os ensaios semanais da Osep são rigorosos. Dissenha, que tem ainda seis alunos em Curitiba e três em São Paulo, desdobra-se no papel de produtor do primeiro disco, que deve ser lançado no fim do ano. Na verdade, ele já gravou em Nova York a trilha do balé "Wind", de Ian Magnussen, mas o registro não conta. "Era apenas um exercício feito com outros alunos da Juilliard", define. A cidade teve um papel marcante em sua formação como músico. Uma das obras dedicadas ao instrumentista, "Suíte Nova York", foi escrita para ele por Raimundo Penaforte
reunindo vários ritmos brasileiros numa peça híbrida que mistura regionalismo e atmosfera da metrópole americana. Felizmente, Dissenha voltou e Nova York é, hoje, só uma lembrança. Os Estados Unidos podem ter Marsalis, mas o Brasil não pode reclamar enquanto tiver o trompete do paranaense tocando por aqui. Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo. Regência de John Neschling. Solo de Fernando Dissenha. Quinta, às 21 horas e sábado, às 16h30. De R$ 5,00 a R$ 20,00. Sala São Paulo. Praça Júlio Prestes, s/n.º, tel. 223-5199