Fruto da efervescente cena cultural pernambucana, o cantor Fênix despontou no mercado musical brasileiro no início da década de 1990. Após estudar canto lírico em Recife, radicou-se no Rio de Janeiro onde começou a chamar a atenção do público por sua figura andrógina, pela forte presença cênica e pelo timbre agudo, elementos que imediatamente o fizeram ser associado ao estilo de Ney Matogrosso. Com o passar do tempo, o intérprete nordestino teve a oportunidade de mostrar suas singularidades, aprimoradas nos discos que lançou e em seus espetáculos que foram dirigidos por nomes conhecidos como Gerald Thomas, Wolf Maya e o próprio Ney Matogrosso.

Em “Gota de Sangue” seu sexto álbum que acaba de ser lançado nas plataformas digitais pela gravadora Biscoito Fino, Fênix apresenta dez faixas nas quais revisita alguns clássicos da música popular brasileira acompanhado apenas pelo pianista Luiz Otávio. A produção do disco é assinada pelo maestro Jaime Além que durante décadas trabalhou como diretor musical de Maria Bethânia e há vinte anos atua na discografia do cantor pernambucano iniciada em 2001.

João Fênix chama a atenção pela sua figura andrógina, forte presença cênica e timbre agudo, associado ao estilo de Ney Matogrosso
João Fênix chama a atenção pela sua figura andrógina, forte presença cênica e timbre agudo, associado ao estilo de Ney Matogrosso | Foto: Leo Aversa/ Divulgação

“Eu tinha essa lista de canções que carregava comigo, que falam muito fundo à minha natureza melancólica. Falei pro Jaime: Vamos pro estúdio eu, você e o Luiz Otávio. A cada sessão, fazíamos teste de Covid e, em cinco dias, gravamos tudo”, conta Fênix ao revelar que seu plano inicial era gravar um disco de duetos, projeto que teve que ser adiado por conta da pandemia.

Entre as canções citadas por ele, merece destaque a regravação de “Todo Homem”, música composta por Zeca Veloso (filho de Caetano), que ganhou registro visceral na versão do cantor pernambucano. Na faixa, Fênix passei por graves e agudos narrando as fragilidades do universo masculino, sentimento presente em quase todo o repertório do disco.

O clima melancólico do álbum é traduzido no desespero do personagem de “Lígia” (de Tom Jobim) frente à mulher que batiza a canção. A melancolia também está presente em “Tristeza e solidão” (de Baden Powell e Vinicius de Moraes), que descreve um homem tão mergulhado no abandono que recorre aos orixás para ter a amada. O piano reforça a atmosfera de gravidade em seus silêncios e cadência. Da mesma forma, o canto de Fênix encontra contundência na contenção.

No desamparo que atravessa o disco, Fênix vê reflexos da solidão do mundo moderno. Nesse contexto, “O portão” (de Roberto e Erasmo Carlos) afirma o chão, a casa, a segurança. A solidão dos tempos encontro eco ainda nas regravações de “Ternura antiga” (de Dolores Duran e Ribamar), em “Desalento” (de Chico Buarque e Vinicius de Moraes) e em “Sem você” (outra de Vinicius, desta vez com Tom).

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Já “Quixeramobim”, que abre o disco, é uma das poucas músicas que não estava na lista inicial do cantor. Composta por Ivor Lancellotti e Roque Ferreira, é uma canção de despedida serena. Ivor entrou no disco com mais uma, “Algemas”. A faixa “Gota de sangue”, por fim, encontra o ouvinte num lugar diferente de onde estava no início do disco. A composição de Angela Ro Ro — como o canto de Fênix — entra noutra frequência. Imperativa em vez de suplicante (“Não tire da minha mão esse copo”). Sábia em vez de desesperada (“Não é muito nem pouco eu diria”).

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