Da história trágica do Dr. Gabriel Martins - nome de praça no Calçadão e de colégio estadual em Londrina - surgem desdobramentos que, futuramente, poderão estar em novos livros que resgatam a memória da cidade.

Um desses desdobramentos do drama pessoal do médico que viveu e morreu na cidade, foi revelado à FOLHA, em primeira mão, por Marco Fabiani, autor da peça teatral e do livro: "Doutor Gabriel - Uma Alma Partida," (Editora Atrito Arte/ 2025).

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Fabiani foi convidado para o podcast "Crônicas de Londrina e Outras Cidades", que estreia esta semana no canal da FOLHA no YouTube e nas redes sociais.

A informação inédita, trazida pelo escritor, é que a noiva do Dr. Gabriel Martins sobreviveu à hanseníase, doença que era um verdadeiro estigma nos anos 1940, curando-se completamente para prosseguir sua vida.

Assista à entrevista:

CONFLITO ÉTICO

Para entender essa história é preciso saber que Fabiani transformou em peça de teatro, e posteriormente em livro, a história do Dr. Gabriel Martins que chegou a Londrina em 1936 e faleceu em 1943. Aqui, ele fundou o Hospital dos Indigentes, dedicado a pessoas sem recursos.

O médico se defrontou com um conflito ético e sentimental quando sua noiva foi diagnosticada com hanseníase e ele foi obrigado a informar o caso à saúde pública.

Tudo aconteceu nos anos 1940, quando a doença era considerada tão grave que as pessoas com lepra eram recolhidas em sanatórios, sendo isoladas do convívio familiar e social. Hoje, a doença é considerada curável e não tão contagiosa, como se supunha.

Dr. Gabriel, que então ocupava um cargo público como Delegado de Higiene em Londrina, informou o caso de sua noiva às autoridades e, na sequência, conflitado pela decisão, suicidou-se por envenenamento. Na época, a causa da sua morte foi divulgada como "mal súbito". Afinal, o suicídio era - e ainda é - um tabu, do qual pouco ou nada se fala.

NOVAS REVELAÇÕES

Passados dois anos desde que a peça teatral "Doutor Gabriel - Uma Alma Partida" foi encenada, em 2023, já tendo cumprido três temporadas de sucesso, a notícia de que a noiva do médico foi curada soma-se a uma das histórias de amor mais trágicas de Londrina.

Fabiani compara o casal a personagens de uma tragédia de Shakespeare: "É a história de Romeu e Julieta pé-vermelho." E lembra que o que não faltam são tragédias semelhantes no cotidiano.

Mas a moça sobreviveu à doença, conheceu outra pessoa no leprosário onde fez seu tratamento, casou-se e pode reconstruir sua vida, tendo se mudado para São Paulo, onde se tornou colecionadora e curadora de arte.

"O nome dessa mulher só será revelado com a autorização da família. Mas a história de sua cura me foi contada por seu sobrinho-neto numa viagem recente que fiz a Santos", explica Fabiani, que poderá escrever um novo livro com base nestas informações.

Na texto dramatúrgico "Doutor Gabriel - Uma Alma Partida", a noiva dessa história trágica recebe o nome de Marta. Fabiani considera que, talvez, a personagem continue sendo chamada da mesma forma num próximo livro - ou conto - ainda a ser escrito. "É um nome fictício que poderá ou não ser mantido."

O escritor Marco Fabiani revela à FOLHA que a noiva do Dr. Gabriel Martins sobreviveu à hanseníase e pode reconstruir sua vida
O escritor Marco Fabiani revela à FOLHA que a noiva do Dr. Gabriel Martins sobreviveu à hanseníase e pode reconstruir sua vida | Foto: Nanjilé/Divulgação

A informação da cura da noiva do Dr. Gabriel suscita uma questão formulada por quem toma conhecimento da trajetória da moça: "Se o médico tivesse esperado um pouco mais poderia ter evitado o suicídio?"

Como não podemos adivinhar o futuro, é plenamente compreensível a sua decisão de encerrar a vida diante de conflito tão grande: o de informar a doença de sua noiva às autoridades de saúde, tendo em vista que a hanseníase era considerada altamente contagiosa.

A essas memórias, soma-se, ainda, um episódio sobrenatural trazido a público pelo jornalista e escritor José Antonio Pedriali. A história, a ser interpretada à luz do espiritismo ou como mais um fato inusitado sobre a vida e a morte do Dr. Gabriel Martins, pode ser conferida a seguir.

UM CASO SOBRENATURAL

Por José Antonio Pedriali

Especial para a FOLHA

Meus avós maternos Yolanda e Mario Romagnolli se mudaram para a rua Alagoas no início dos anos 40, depois que a casa deles na rua Rio de Janeiro pegou fogo.

A nova casa, de madeira como a outra, ficava anexa à fábrica de tanques e artefatos de cimento, que anos depois meu avô transformaria na Marmoraria São Pedro.

A casa ficava em frente ao cemitério, que não era murado, apenas cercado por balaústre. O necrotério – Londrina não possuía ainda Instituto Médico Legal – ficava dentro dele, mais ou menos onde é hoje a pracinha.

Minha avó e minha mãe Célia acompanhavam os enterros da janela da sala. E, no final das tardes, principalmente do verão, posicionavam-se ali para assistir ao fogo-fátuo, que é a luminosidade gerada pela combustão de gases provenientes da decomposição de matéria orgânica. O fenômeno é também conhecido como boitatá.

Numa ocasião dessas, enquanto esperavam o início do fenômeno, passou diante da casa um senhor de terno, que tirou o chapéu para cumprimentá-las com um sorriso, meneando a cabeça, e entrou pelo portão principal do cemitério, no entroncamento da Alagoas com a São Paulo.

Elas o reconheceram: era o doutor Gabriel Martins, muito popular naquela época por causa de seu trabalho como chefe da inspetoria de saúde e do Hospital dos Indigentes, ou Hospitalzinho, que ele fundou. Minha avô e minha mãe doavam comida, roupa, o que podiam, para o hospital.

As duas continuaram na janela mais algum tempo, estranhando a demora dele em sair. E concluíram que o motivo da demora deveria ser alguma necropsia que ele estaria fazendo.

Anoiteceu, e elas deixaram o posto de observação para preparar o jantar para meu avô, que logo chegaria do trabalho.

Ao ser informado do encontro, meu avô perguntou se elas tinham certeza de que se tratava do doutor Gabriel. Elas responderam que sim, e a resposta dele as sobressaltou: o doutor Gabriel morrera naquela manhã.

Minha avó e minha mãe atribuíram a visão a uma manifestação do espírito do doutor Gabriel em agradecimento ao trabalho delas pela obra que marcou a passagem dele por Londrina – e pela vida.

(José Antonio Pedriali é jornalista e escritor)

Imagem ilustrativa da imagem Fatos inéditos somam-se à história trágica do Dr. Gabriel Martins
| Foto: Divulgação

SERVIÇO:

O livro "Doutor Gabriel - Uma Alma Partida", de Marco Fabiani, pode ser adquirido na Editora Atrito Arte através do e-mail: [email protected] ou pelo whats(43) 9 9941-7414

* Sugestões para participar do podcast "Crônicas de Londrina e Outras Cidades" podem ser enviadas para o e-mail [email protected] para serem selecionadas.

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