Excesso de parceiros atrapalha apresentação de Carla Bley e Brad Mehldau
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sábado, 08 de abril de 2000
Por Jotabê Medeiros
São Paulo, 09 (AE) - Por que não vieram sozinhos? Carla Bley e Brad Mehldau, dois pianistas excepcionais, gênios de diferentes mundos, têm pequeno desvio de caráter: são demasiadamente generosos. Por delicadeza, perdi minha vida, diz o mote baudelairiano.
Seus shows foram os pontos altos da programação, por assim dizer, mais "intimista" desse Heineken (em palcos pequenos ou de estrutura quase camerística). Mas Carla Bley tocou apenas quatro peças, espremida pelo prolixo violonista brasileiro Paulo Belinatti. Mehldau tocou nos interstícios da apresentação festiva e exagerada da cantora holandesa Fleurine.
Ainda assim, eles possibilitaram uma rara experiência em um espaço de dois dias. Foi possível comparar dois estilos diametralmente opostos, mas igualmente radicais. Carla Bley é o rigor em pessoa digladiando-se com uma partitura de seis páginas coladas enquanto se prepara para tocar "Major", peça moderna, estupenda.
Mehldau, um garoto ainda, de jeans e camisa para fora das calças, debruça-se acintosamente sobre o Steinway e não tem nenhuma notação à frente. Visto de costas, parece um homem sem cabeça sondando as teclas com ouvidos inexistentes, enquanto reinventa seu tempo tocando "Logical Song", do Supertramp. Ela não gosta do piano, confessa. Usa-o como um recurso para atingir um objetivo maior, que é a música.
Ele acredita em outra coisa. É parte do instrumento, integra-se a ele com voracidade, como se fosse seu último encontro. Ela é cerebral, intangível. Bate nas teclas com imparcialidade, mas é igualmente pungente na demonstração de simplicidade. Mas ambos foram coadjuvantes de shows irregulares.
Paulo Belinatti, virtuoso, exagerou na duração do seu concerto e seu melhor momento foi quando abandonou a ambição sinfônica e juntou-se ao baixista Steve Swallow (que também acompanha Carla Bley). Swallow toca o baixo elétrico com uma palheta aveludada, fazendo-o soar como acústico. É discreto e profissional.
Já Mehldau teve menos sorte. A cantora Fleurine, no máximo uma boa cantora de bar, turvou de maneira inapelável sua apresentação - que só se consumava nos espaços das canções, cantadas num português semelhante ao de Cesária Évora pela holandesa (ou seja: incompreensível).
Já Cesária, que esteve no sábado no Teatro Alfa, centrou sua apresentação no repertório do disco mais recente, "Café Atlântico". Funcionou bem sua conexão caribenha, é o que se pode dizer. E teve também Taj Mahal no Bourbon Street, com seu violão Epiphone Emperor. Sua intenção, ao reunir um time de bluesmen brasileiros, parece ter sido a de reafirmar sua crença na grande diáspora da música negra. Não há uma pátria para o blues, disse.
A resposta não foi tão convincente - Mahal domina mais que a linguagem, que é básica e simples. Ele conhece o rito, a tradição, o sentimento. Seus companheiros parecem gostar do brilho que consiste em esticar solos, fazer caras e bocas, enlevar a platéia.