Contar a própria história nem sempre é simples, mas Tati Bernardi faz excelente uso do humor – e da coragem – para transformá-la em literatura. A escritora, roteirista, podcaster e colunista da Folha de S.Paulo esteve em Londrina, na tarde de sábado (8), participando do bate-papo "Algumas coisas sobre ser mulher", no Sesc Mulheres do Cadeião.

O evento contou com a mediação da jornalista, pesquisadora e escritora londrinense Layse Barnabé de Moraes, que abriu a mesa com uma homenagem a Bernardi e revelou com sensibilidade a longa admiração pela autora. O encontro reuniu mais de 100 mulheres para um debate franco sobre experiências femininas, dentro e fora da literatura, e a importância de ocupá-la com narrativas reais, por mais desagradáveis que sejam ao Outro.

Tati Bernardi com Layse Barnabé de Moraes: bate-papo sobre a trajetória da escritora e a literatura de autoria feminina no Sesc Cadeião, em Londrina
Tati Bernardi com Layse Barnabé de Moraes: bate-papo sobre a trajetória da escritora e a literatura de autoria feminina no Sesc Cadeião, em Londrina | Foto: Pamela Destacio

Entre temas íntimos e ao mesmo tempo coletivos, a autora de “Depois a Louca Sou Eu” (Companhia das Letras, 2016) compartilhou a origem da sua paixão pela escrita e como começou a externalizar suas emoções por meio dela, sempre com ironia e exagero. Para a paulistana, escrever foi, desde cedo, um refúgio e um método de sobrevivência. “Comecei a me acalmar narrando a cena”, revelou, lembrando-se de como o processo ajudava a lidar com as próprias emoções, principalmente as mais difíceis, mesmo que com uma pitada de ficção. O humor também nunca pôde faltar. Ele foi um escudo que a protegeu e a permitiu abordar temas sensíveis sem medo da exposição. “É o que gosto nas minhas crônicas, eu gosto do texto que vai provocar”, afirmou.

Mas falar sobre si mesma, apesar de todos esses artifícios, parecia enfadonho, ou até mesmo juvenil, por um pequeno detalhe: era uma autora por trás das páginas. Ao longo de sua carreira, Bernardi foi desafiada pela pressão de amadurecer como escritora, sendo constantemente cobrada para abandonar o “eu” e criar uma literatura mais distanciada da sua realidade enquanto mulher. “Você escreve ‘legalzinho’, mas que tal ir para um livro mais maduro?”, disse ter ouvido certa vez de um homem.

O debate sobre a desvalorização da escrita feminina foi um dos temas centrais do evento, que chamou a atenção para a importância de as mulheres escreverem suas histórias não apenas como uma forma de expressão, mas também como um meio de denúncia das questões de gênero, feminismo, sexualidade e desigualdade. Para ela, as mulheres, ao se ouvirem e se reconhecerem nessas narrativas, ganham coragem para também contar suas istórias, se sentir à vontade para falar sobre suas vivências e, finalmente, ocupar seu espaço no mundo literário e além dele.

Muitas mulheres foram prestigiar o evento no Sesc formando um grande público no sábado (8), à tarde
Muitas mulheres foram prestigiar o evento no Sesc formando um grande público no sábado (8), à tarde | Foto: Pamela Destacio

PÚBLICO

À FOLHA, que marcou presença no evento, o público comentou sobre como o diálogo promovido abre espaço para reflexões, trocas e identificações.

“O que eu mais gostei foi que ela falou que a gente pode falar de nós mesmas, nós podemos ocupar esse espaço e que isso não tem a ver com soberba. É só a história dela, o caminho dela, e que a gente tem que aproveitar mais essa oportunidade que a escrita pode proporcionar”, refletiu Isabela Micali, 28, psicóloga e espectadora do evento, que começou a acompanhar o trabalho da autora devido à conexão entre literatura e psicanálise encontrada em seu podcast “Desculpa o Transtorno”, com o psicanalista Christian Dunker.

A socióloga Nathália Mansour, 27, é outra admiradora de Bernardi, que não perdeu a oportunidade de prestigiá-la pessoalmente em sua cidade. “Vê-lar hoje foi transformador, principalmente porque foi um evento que aconteceu no Dia da Mulher. Várias mulheres juntas falando sobre temas que atravessam todas nós de maneiras diferentes. Foi algo que de fato fez com que esse dia se tornasse mais especial. Então estou muito feliz de ter participado disso e agradeço ao Sesc por ter promovido esse encontro”, compartilhou.

A ESCRITORA

Aos 45 anos, Tati Bernardi é uma das cronistas e escritoras mais influentes da cena contemporânea brasileira, com mais de nove obras publicadas – todas particularmente dirigidas ao universo feminino. Foi colaboradora em telenovelas e sitcoms de sucesso, além de ter escrito roteiros para filmes como “Qualquer Gato Vira-Lata” (2011 e 2015) e “Meu Passado Me Condena” (2013).

Seu próximo livro, “A Boba da Corte”, será lançado no dia 14 de abril pela editora Fósforo. O romance autoficcional, que levou três anos para ser escrito, aborda questões sociais, políticas, amorosas, familiares e de ascensão social, com o olhar crítico e afiado que seus leitores já conhecem.