No mês da Consciência Negra, um espetáculo produzido em Londrina resgata as lutas pela liberdade, respeito, igualdade social e preservação da cultura afro-brasileira através da história quase esquecida de cinco cantoras líricas pretas brasileiras: Joaquina Lapinha, Camila Maria da Conceição, Zaíra de Oliveira, Maura Moreira e Maria d´Apparecida.

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A montagem é o resultado de meses de trabalho do projeto “O Som da Escravidão”, patrocinado pelo PROMIC – Programa Municipal de Incentivo à Cultura da Secretaria Municipal da Cultura (SMC). Idealizado por um grupo de artistas, contou com a participação de duas cantoras líricas negras da atualidade: as irmãs Edna D´Oliveira e Edineia de Oliveira. Através de um processo de estudo e pesquisa, a montagem resgata a narrativa dessas artistas no Brasil e a história política e cultural do que os idealizadores do projeto chamam de “matriarcado preto da música lírica brasileira”. As apresentações acontecem a partir desta quinta-feira (23) e seguem até sábado (25), às 20h, no Cine Teatro Ouro Verde. Os ingressos são gratuitos e devem ser retirados na bilheteria do teatro a partir das 19h.

Em cena, um espetáculo multilinguagens, uma espécie de ópera visual onde o protagonismo negro aparece em toda a ficha técnica, com profissionais, artistas e colaboradores na sua maioria, pretos. O espetáculo conta ainda com a participação da OSUEL - Orquestra Sinfônica da Universidade Estadual de Londrina, sob a regência do maestro convidado Alessandro Sangiorgi nas apresentações de quinta (23) e sexta-feira (24). No sábado (25), o público vai poder conferir uma segunda versão da montagem, apenas com acompanhamento de piano e atabaques. Com dramaturgia e direção cênica de Carin Louro, direção musical e preparação do coro de Edineia de Oliveira, pesquisa histórica de Edna d’Oliveira, além de cenografia e figurinos de Gelson Amaral, o projeto conta ainda com parcerias importantes como a firmada com o Laboratório de Cenografia & Cenotécnica, outro projeto que contou com o patrocínio do PROMIC, Fábrica Rede Popular de Cultura e Secretaria Municipal de Cultura, além do Coletivo Pimbim, de iluminação cênica. A produção leva a assinatura da PÁ! Artística.

Tudo começou com uma vontade antiga do trio formado pelas cantoras líricas e o maestro Alessandro Sangiorigi de montar um espetáculo com os "spirituals", canções de fundo religioso e carregadas de emoção que se desenvolveram especialmente entre os negros do Sul dos Estados Unidos, contando a história dolorosa do povo escravizado e da diáspora cruel e, por um outro movimento, o nascimento das primeiras orquestras brasileiras. “Os primeiros músicos de orquestra e cantores líricos brasileiros eram pessoas escravizadas. Quando a Corte Portuguesa foi embora levou consigo os seus músicos e a história que não nos contaram foi que homens escravizados era a maioria massiva nas primeiras orquestras, músicos formados pelos portugueses. Naquela época, ser músico – cantor ou instrumentista – era uma tarefa de baixa categoria”, revela Edneia de Oliveira. “No Lírica Preta contamos a trajetória das duas primeiras cantoras líricas brasileiras Lapinha e Maria da Conceição, que saindo das Casas Grandes das fazendas, ganharam o mundo. Traçamos um paralelo até nossos dias, mostrando a trajetória de outras cantoras líricas brasileira negras. Um eco repetido nas histórias de todas as artistas negras, numa luta incansável contra o racismo e a invisibilidade, impostos a todas nós que sofremos hoje como as nossas pioneiras. O espetáculo é o nosso rosto, aquele da verdadeira história do Brasil”, completa.

O “Lírica Preta” leva ao palco mais tradicional da cidade, a memória, o canto e a voz negra mostrando como esse canto retrata a importância da cultura afro na música erudita. Para a cantora Edna D’Oliveira trata-se de colocar em evidência, através das histórias dessas mulheres, a trajetória de um povo que foi invisibilizado pelo racismo estrutural. Ela destaca Lapinha, a Joaquina Maria da Conceição Lapa, considerada a primeira cantora lírica do Brasil. “Ela foi a única mulher aceita para cantar em Portugal entre fins do século XVIII e início do XIX. Pisou nos palcos como mulher e cantora negra, obteve um enorme sucesso e é totalmente desconhecida aqui no Brasil. A música erudita não é para a elite, é para todos e o negro pode estar em todos os lugares. Os pretos e as pretas podem fazer aquilo que eles e elas querem fazer. Música popular, música erudita, ópera, música de concerto, não importa. O importante é que nós podemos e devemos ocupar todos os espaços”, pontua.

FIO CONDUTOR

O elenco do espetáculo, aquele que forma o Coro Lírica Preta, frequentou durante mais de seis meses aulas com a cantora lírica Edineia de Oliveira. Ele conta com cantores com mais ou menos experiência, de diversas gerações e universos musicais, como nos casos do famoso sambista londrinense Braguinha e sua filha, a cantora Luiza Braga, ou do cantor de 18 anos, Murilo Marques da Silva. Amarrar todas as linguagens do espetáculo foi missão para Carin Louro e isso é feito através da música, grande fio condutor da montagem. Ela conta que o espetáculo começa com as memórias dos tempos da viagem e do trabalho forçados e depois, das influências da música ancestral nas canções brasileiras. “Quando as sonoridades africanas aportaram no Brasil, acabaram se misturando e assim surgiu outra música, que de certa forma sempre esteve conectada com essas pessoas que viajaram forçadamente, que tiveram que passar por todo tipo de violência, por toda essa angústia que foi a escravidão. Assim, pincelamos no espetáculo como foi essa transição da música, inclusive no contexto do canto lírico, da música erudita. E revelamos fatos históricos, como por exemplo, a ação orquestrada por pessoas dos movimentos abolicionistas, que aproveitavam os concertos de ópera para alforriar pessoas escravizadas”, frisa.

A dramaturgia do espetáculo é baseada na biografia das cinco cantoras negras, cada uma representando o seu próprio tempo. Uma narradora conta episódios da vida dessas artistas que não tiveram reconhecimento ou foram obrigadas, por exemplo, a usar maquiagem para “clarear” a pele. “A importância dessas mulheres no contexto artístico, como um todo, não só na música, é também uma forma de traçar um percurso, atravessando os tempos, dos artistas negros até os dias de hoje. Artistas que vão ocupar o palco do Teatro Ouro Verde como solistas, instrumentistas e compondo o coro”, completa a diretora. “A ideia da dramaturgia é trazer o que eu estou chamando de presença. O espetáculo pode acabar sendo uma forma de despertar a curiosidade das pessoas, para que possam descobrir a história dessas artistas e para que elas passem, como consequência, a serem cada vez mais lembradas e, certamente, nunca mais esquecidas", diz Louro. Uma atriz narradora, interpretada por Fiama Eloisa, conduz a plateia através das histórias das cantoras negras brasileiras, seguindo o roteiro todo musicalizado com as vozes do coro cênico embalando essas trajetórias. O espetáculo conta também com a participação especial de Peter Levi, bailarino preto e carioca integrante da Cia Ballet de Londrina (Funcart).

O NAVIO DAS PARTIDAS

As velas de um navio foram o ponto de partida para a cenografia, idealizada pelo premiado cenógrafo Gelson Amaral e acompanhada por todos os participantes do Laboratório de Cenografica & Cenotécnica, projeto aprovado pelo PROMIC. “ O cenário foi criado a partir da ideia da partida, dessa viagem sem volta dos escravizados, levados para outras terras de navio.“ A obra também fala dessas cinco cantoras líricas pretas que dentro de um universo meritocraticamente branco, ocidental, europeu, tiveram que ir embora para outros lugares para serem reconhecidas como tais. "Então, de novo, vem a ideia da partida do navio que leva essas pessoas para outros lugares, para que elas tenham reconhecimento. O cenário parte dessa ideia da viagem, do ir embora”, comenta Amaral.

Para os figurinos, a pesquisa partiu de uma cartela de cores recorrentes nas bandeiras dos países africanos. Essa é a primeira vez que o trabalho do cenógrafo se encontra com a cultura africana. “Fico feliz de contribuir, de alguma forma, com esse movimento de reparação histórica. Esse mergulho que precisei fazer na cultura africana foi fabuloso. As composições, as cores, a estética...", diz.

Gelson Amaral assina o cenário e os figurinos: um mergulho na cultura africana, suas cores e estampas
Gelson Amaral assina o cenário e os figurinos: um mergulho na cultura africana, suas cores e estampas | Foto: Divulgação

MAIS ÓPERA EM LONDRINA E MARINGÁ

Um corredor operístico entre duas grandes cidades do Paraná, Londrina e Maringá. Essa é a proposta ousada do Projeto “Ópera, Por Que Não?”, aprovado no Programa Estadual de Fomento e Incentivo à Cultura | PROFICE da Secretaria de Estado da Cultura | Governo do Estado do Paraná e que conta com o patrocínio da COPEL – Companhia Paranaense de Energia. O projeto aproveita o palco do Teatro Ouro Verde para o lançamento oficial de um Edital voltado à seleção de artistas da cena lírica, aberto para cantores e pianistas do Paraná, mas que pretende atrair talentos de todo o Brasil. A proposta é criar um polo de interesse em Canto Lírico, oferecendo um processo de formação completo destinado a cantores líricos e pianistas correpetidores, duas das categorias representadas pela Ópera. É também uma iniciativa de formação de público para tal arte, desmistificando o canto lírico como manifestação cultural voltada apenas a uma pequena parcela da sociedade.

De acordo com o edital, que será publicado a partir do dia 27 de novembro no site da Associação de Cultura Italiana I Bravissimi (www.ibravissimilondrina.org), proponente do projeto, a proposta pedagógica divide o processo formativo em dois programas: um para cantores líricos e outro para pianistas correpetidores (instrumentista especializado em acompanhar atividades docentes principalmente no estudo do canto lírico e da regência). Ao todo, serão 6 módulos de ensino, mais um módulo especial de montagem de espetáculo, oferecidos, no total, para 30 bolsistas (20 cantores e 10 pianistas) e para até 15 ouvintes (10 cantores e 05 pianistas). Todos os selecionados participarão de forma gratuita, assumindo a qualidade de bolsistas. Importante ressaltar que 50% das vagas são reservadas para alunos paranaenses, mas o processo será aberto para todo o Brasil e permanecerá recebendo as inscrições até 25 de janeiro de 2024.

Será dada preferência para candidatos oriundos de projetos sociais, além de ser respeitada a ideia de equidade de gêneros e pluralidade e diversidade na seleção, com foco em vagas afirmativas, direcionadas para a população negra, indígenas e pessoas LGBTQIA+. Os módulos serão realizados nas cidades de Londrina e Maringá, culminando na criação de um espetáculo lírico que repercutirá nestes dois polos que contam com cursos universitários voltados à música e ao canto, tanto na UEL quanto na UEM.

No sábado (25), a cantora lírica Edna D’Oliveira, uma das solistas do espetáculo “Lírica Preta" e professora no projeto “Ópera, Por Que Não”, profere uma palestra no Teatro Universitário Ouro Verde, aberta para toda a comunidade, às 10h. A partir do título “Negras Líricas”, a pesquisadora fala ao público sobre a trajetória de cantoras negras brasileiras, tema que também é a inspiração do espetáculo.

*Com assessoria de imprensa.

SERVIÇO

Espetáculo “Lírica Preta”

Dias de quinta-feira (23) a sábado (25), às 20h, no Cine Teatro Ouro Verde

Classificação indicativa: Livre

Gratuito. Os ingressos estarão disponíveis e podem ser retirados na bilheteria do teatro, a partir das 19h. Espaço sujeito a lotação

Patrocínio: PROMIC – Programa Municipal de Incentivo à Cultura

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Palestra “Negras Líricas”, com Edna D’Oliveira

Sábado (25), 10h, no Cine Teatro Ouro Verde

Lançamento do Edital de Programa Formativo para Cantores Líricos e Pianistas Correpetidores – projeto “Ópera, Por Que Não?”

Gratuito, aberto a toda a comunidade

Classificação indicativa: Livre

Projeto aprovado no Programa Estadual de Fomento e Incentivo à Cultura | PROFICE da Secretaria de Estado da Cultura | Governo do Estado do Paraná. Patrocínio: COPEL – Companhia Paranaense de Energia.