Com texto e direção de Julia Spadaccini e Clara Kutner, direção de produção de Claudia Marques, o espetáculo “Meu Corpo Está Aqui", da companhia Fábrica de Eventos, Rio de Janeiro, será apresentado neste domingo (9) e na segunda-feira (10), às 20 horas, na Divisão de Artes Cênicas da UEL, dentro da programação do Festival Internacional de Teatro - FILO.

Vencedor do Prêmio FITA (Festa Internacional do Teatro de Angra), APTR (Prêmio Especial da Associação dos Produtores de Teatro) e indicado ao prêmio Shell de Teatro, a proposta da obra é promover uma reflexão coletiva sobre o direito à visibilidade de pessoas com deficiência. A dramaturgia é baseada nas experiências pessoais do próprio elenco, formado por atores e atrizes PCD (pessoas com deficiência).

No palco, Bruno Ramos, que é surdo, Juliana Caldas e Pedro Henrique França, pessoas com nanismo, e Rafa Muller, que tem paraplegia e é usuário de cadeira de rodas, falam abertamente sobre seus relacionamentos, seus corpos e seus desejos. Complementa o elenco o ator-intérprete de LIBRAS Jadson Abraão.

Em uma mistura de depoimentos ficcionalizados por Julia Spadaccini, também pessoa com deficiência (surda oralizada), e Clara Kutner, o espectador é levado a participar desse jogo entre pulsões e obstáculos que se apresentam nas descobertas e nas experiências de afeto e sexualidade em corpos PCDs.

“Esse projeto é uma realização pessoal muito grande tendo em vista que, em 20 anos escrevendo teatro, pela primeira vez faço uma dramaturgia voltada para uma questão que também me inclui. Ser uma autora PCD e estar num projeto onde todos em cena também são, é uma vivência de vasta inclusão”, comenta Julia Spadaccini. “A peça vem para jogar luz, justamente, nessa grande invisibilidade que acomete o corpo com deficiência, seus desejos, amores e sexualidade”, acrescenta.

Imagem ilustrativa da imagem Espetáculo do FILO traz reflexão sobre deficiência, amor e sexo
| Foto: Renato Mangolim/ Divulgação/ Filo 2025

“O nosso corpo é um importante veículo de comunicação. É através dele que expressamos nossos desejos, nossas angústias e nossas satisfações. Estar com o corpo presente e pleno é fundamental para se sentir segura e potente. Seja qual corpo for, de que forma for, de que tamanho for. O corpo é a nossa identidade, a nossa assinatura visível”, complementa a diretora de produção Cláudia Marques.

Marques considera que os prêmios recebidos são o reconhecimento da crítica especializada para o trabalho. "São para além de ser um espetáculo inclusivo feito por atores PCDs e valorizam o trabalho artístico desta equipe.

IDENTIFICAÇÃO E RECONHECIMENTO

Com estreia em outubro de 2023 e duas temporadas no Rio, "Meu Corpo Está Aqui", já esteve em São Paulo, Belo Horizonte, Curitiba, Recife, São José do Rio Preto e Salvador, os artistas se sentem honrados ao integrar a programação do FILO. "Fizemos um circuito pelo interior do Rio e participamos dos principais Festivais do Brasil. "Em outubro de 2024, participamos do histórico Festival Cervantino no México e somamos mais de 5.000 espectadores", enumera.

A diretora de produção afirma que o espetáculo é uma unanimidade. "Todos, sem exagero, que assistem saem encantados, surpresos, emocionados e principalmente tocados com a temática. Temos um público PCD muito expressivo e isso varia muito de cidade para cidade e também da divulgação para esse publico específico, sendo em média de 20% a 30% de PCDs na plateia o, que é muito bom, pontua. "O público PCD se reconhece , se identifica com as histórias. Como temos um ator surdo e um tradutor de libras que faz parte do elenco, isso faz com que a comunidade surda seja muito presente", complementa.

Sobre a repercussão deste trabalho, Marques avalia que essa projeção impulsiona a carreira dos artistas em cena. "Temos muitos convites para novos festivais , circuitos e festivais internacionais. Estamos no momento nas tratativas da agenda de 2025", alegra-se.

Por outro lado, ela entende que a temática sexualidade encontra resistência nas empresas possíveis patrocinadoras. "Somos um país muito conservador e temeroso de tocar em certos assuntos. Estamos tentando um patrocínio maior para levarmos esse espetáculo pelo Brasil de Norte a Sul , Leste a Oeste mas esbarramos nesta dificuldade. Tenho fé que alguma empresa com uma visão mais aberta e inclusiva compre esta parceria de sucesso", expõe.

Também em entrevista exclusiva à Folha, a atriz Juliana Caldas afirma que o nome dado ao espetáculo carrega uma mensagem e um significado. "Simplesmente o direito de ir e vir e que meu corpo existe, ele sente, ele vive. É a afirmação de que, quem dirá o que ele pode fazer, ou onde pode estar sou. Eu decido. Que meu corpo tem direitos como qualquer outro corpo tem, principalmente no amor, no tesão de viver".

Espetáculo é uma reflexão coletiva sobre o direito à visibilidade de pessoas com deficiência
Espetáculo é uma reflexão coletiva sobre o direito à visibilidade de pessoas com deficiência | Foto: Isabela Bugmann Divulgação/ Filo 2025

PULSÕES E OBSTÁCULOS

Acerca das pulsões os obstáculos que integram o espetáculo, Caldas argumenta que dizem respeito a experiências vividas pessoalmente pelos atores. "Somos pessoas diferentes, com desejos e vidas diferentes. No meu caso, já que sou uma pessoa com nanismo, o objetivo é mostrar que não aceito mais essas questões de abordagem infantilizadas. Obviamente, os obstáculos vão além de convívio, e tratam sim de acessibilidades e direitos", comenta.

A atriz considera que há uma expectativa sobre a reflexão que o espetáculo possa promover. "Esperamos uma sociedade mais justa e menos capacitista. Que respeite o próximo e entenda que temos todos os direitos de conviver em uma sociedade empática. Ela afirma que na maioria das vezes o público se surpreende. Fazemos isso de uma forma irônica, porém leve. É literalmente uma reflexão para se sentirem na nossa pele e acabam se colocando no lugar do outro", comenta.

Com ousadia e sensibilidade, "Meu Corpo Está Aqui" traz um tema original pouco explorado: o corpo de um PCD como objeto de amor ou sexo, seja no palco, na TV ou no cinema. Caldas explica que atores com essas características são pouco requisitados. "Na maioria das vezes, o corpo de uma pessoa com deficiência é colocado nesses esteriótipos de fetiche e zoação. Porém, o que abordamos com a peça é que somos pessoas comuns: transamos, amamos, saímos, bebemos. Vivemos uma vida como qualquer outra pessoa. Claro que existem muitas pessoas (não tenho dados) que deixam sim de vivenciar essas vontades por repressão da sociedade, por medo ou vergonha. E para essas pessoas, que acabam assistindo ao espetáculo, essa representatividade é a informação de que eles podem fazer o que quiserem, que eles podem simplesmente viver as suas vidas", desbrava.

A atriz esclarece que não é possível afirmar quanto os depoimentos são ficcionalizados no espetáculos, pois são histórias particulares de cada um dos atores. "Existe uma dramaturgia para podermos contar cada história, porque senão seriam 'depoimentos' e não um espetáculo e dessa forma fica mais fácil de a plateia compreender e se envolver com o que estamos dizendo, sendo uma forma genial de expressar o que uma grande parte da sociedade com deficiência quer falar."

A atriz conclui: "É na verdade sobre quebrar "padrões". Padrões que a sociedade impõem. É sobre dar um chacoalhão nessa sociedade megacapacitista . Chega dessa sociedade falar por nós. É uma abordagem de força, representatividade e empoderamento, junto com muito amor e tesão", convida.

SERVIÇO

Festival Internacional de Londrina – FILO

Meu Corpo Está Aqui (Fábrica de Eventos – Rio de Janeiro/RJ)

Quando: domingo (9) e segunda (10), às 20 horas

Onde: Divisão de Artes Cênicas da Casa de Cultura da UEL (Av. Celso Garcia Cid, 205)

Ingressos: Sympla

Classificação indicativa: 16 anos

Acessibilidade: libras nas duas apresentações

Realização: Usina Cultural

FILO/ Apoio: Casa de Cultura da Universidade Estadual de Londrina, Rádio UEL FM e Folha de Londrina

Patrocínio: Prefeitura de Londrina / Secretaria Municipal da Cultura / Programa Municipal de Incentivo à Cultura (Promic)

Mais informações: www.filo.art.br

Ficha técnica:

Texto e Direção: Julia Spadaccini e Clara Kutner | Elenco: Bruno Ramos, Juliana Caldas, Rafa Muller e Pedro Henrique França.| Ator-Intérprete de Libras: Jadson Abraão | Direção de Produção e Coordenação Geral do Projeto: Claudia Marques | Figurino e Cenografia: Beli Araujo | Iluminação: Paulo Cesar Medeiros | Música: Luciano Camara | Operador de Luz: Lúcio Bragança | Produção: Fabrício Polido Realização: Fábrica de Eventos.