Reprodução‘‘15 Minutos’’:filme com Robert de Niro mostra a banalização da violência






15 Minutos – Mesmo recheado de lugares-comuns e carregado de obviedades, este ‘‘thriller’’ sobre dois psicopatas europeus que barbarizam Nova York brinca com a metalinguagem do cinema, faz referências abusadas e sem muita sutileza ao ‘‘american way of crime’’ e acaba acertando no que não mirou: a televisão sanguinolenta e a capacidade do veículo de banalizar a violência na busca dos tais 15 minutos de fama, como gostava de brincar a sério o precoce multimídia Andy Warhol. Robert De Niro, superexposto e burocrata, é outro que de vez em quando precisa dar um tempo. •••
O Vento nos Levará – Programa obrigatório para o espectador carente de outros valores cinematográficos que não cachês astronômicos, efeitos especiais e bobagens afins. Cinema de alto nível, o filme do iraniano Abbas Kiarostami é reflexão poética em cima de tema eternos: o desconhecido, a ausência, a morte. ••••
Miss Simpatia – Bem a propósito o título. Sandra Bullock caiu nas graças do público com papéis simpáticos, ligeiros, típicos de insustentável perfumaria que se desmancha logo ali, na primeira vitrine à saída do cinema. Este seu personagem não é diferente: a agente do FBI infiltrada num concurso de beleza para investigar ameaça de bomba de um terrorista tem a mesma substância rala de ‘‘Velocidade Máxima’’ ou ‘‘A Rede’’ ou ‘‘28 Dias’’. A moça precisa dar uma boa guinada na carreira. Senão... ••
A Mexicana – Veículo para o estrelismo de dois nomes da moda. Mas apesar das intenção de sugar ao máximo, o filme até que não se escraviza à dupla Julia Roberts-Brad Pitt. Os problemas são uma história que faz mix indigesto de gêneros e estilos e o tratamento discriminatório e inescrupuloso para com os personagens mexicanos. ••
O Casamento dos Meus Sonhos – A cada dia fica mais difícil reencontrar a arte da comédia romântica e/ou sofisticada hollywoodiana em sua melhor tradição. O filme do estreante Adam Shankman é pobre em situações, todas já vistas (que tal ‘‘O Casamento do Meu Melhor Amigo ’’?) em outras circunstâncias. Falta química entre Jennifer Lopez e Matthew McConaughey. Falta humor, sobra previsibilidade. •
Dr. T. e Suas Mulheres – Um Robert Altman longe de seus melhores momentos. Em crise, ginecologista de renome em Dallas (Richard Gere) reúne ao seu redor um batalhão de mulheres, desde familiares até clientes. O problema é que o filme, embora assinado como dedicatória pelo diretor (‘‘uma carta de amor às mulheres de Dallas’’), se contradiz e acaba confundindo o espectador até com intrometidas sutilezas políticas. Faz falta aqui aquele toque típico de Altman. ••
O Corpo – A história dos restos crucificados que poderiam ser os de Cristo até que renderia um bom filme. Mas não é o caso deste, assinado por Jonas McCord. O que se espera como intriga original não acontece, isto é, uma radiografia dos temores da Igreja Católica se o fato fosse comprovado. Vale dizer: na berlinda, o dogma da Ressurreição. Alguém, provavelmente de porre, comparou o personagem de Antonio Banderas a um Indiana Jones a serviço do Vaticano. ••
Círculo de Fogo – Um dos melhores filmes em cartaz, a despeito de pequenos tropeções de um roteiro que no entanto sabe ser grande quando centra a atenção num episódio-chave da Segunda Guerra Mundial: o cerco a Stalingrado. Jovem soldado russo é transformado em bandeira da resistência contra o avanço do exército alemão. Mas um major de Hitler faz a contra-propaganda para neutralizar os brios do exército russo. O diretor Jean-Jacques Annaud segura firme o selvagem espetáculo da guerra, nunca esquecendo a tragédia humana. ••••
Do que as Mulheres Gostam – Ao contrário do que o título sugere, esta comédia simpática e elegante se preocupa menos com os desejos femininos do que com a dificuldade que têm certos homens de assumir a masculinidade. Machista a princípio, travestido no decorrer da trama, Mel Gibson trava sutil batalha na guerra dos sexos e dos papéis sexuais. Perde, é claro, mas se diverte estando do outro lado da trincheira. •••
Traffic – Steven Soderbergh fez um grande filme, impregnado de amargo realismo, lúcido, sem ideologias, longe da América triunfante, em sintonia com nossa época. Em três relatos sobre as rotas da droga, uma lição de ótimo cinema. ••••
Billy Elliot – Mais um bom flagrante das diferenças que devem ser respeitadas num meio dominado por estereópicos culturais. O garoto Billy, filho de áspero mineiro em greve, treina boxe mas gosta mesmo é de dançar. Animado pela professora e disposto a enfrentar a família em crise, Billy cresce para seu ideal. Com emoção e humor, o filme do estreante Stephen Daldry renova o gênero da comédia social à inglesa, flertando com sucessos recentes como ‘‘Ou Tudo ou Nada’’. •••
O Tigre e o Dragão – Artes marciais com neurônios da ponta da espada. Se fazia falta uma evidência mais contundente do talento multifacetado do diretor Ang Lee (‘‘Razão e Sensibilidade’’, ‘‘Tormenta no Gelo’’, ‘‘O Banquete de Casamento’’, ‘‘Comer, Beber, Viver’’), este seu novo filme o confirma não só como diretor em constante evolução como um dos artistas que melhor souberam conjugar e potencializar estéticas, temáticas e sistemas de produção tão diferentes como os de Hollywood e os do cinema asiático. ••••
Náufrago – Embora hesitante e insatisfatório no desenlace, esta história do acerto de contas entre civilizado e civilização numa ilha deserta tem hora e meia de grande e generoso cinema. Como são 144 minutos de extensão, o saldo é até muito positivo. Aos 45 anos, Tom Hanks prova uma vez mais que é ator cinematográfico por excelência. Sua solitária intimidade com a câmera o coloca entre os melhores de uma geração que não tem lá muitos eleitos. •••
A Fuga das Galinhas – O melhor presente que o exibidor poderia oferecer para encerrar ano, século e milênio. Animação à moda antiga, com personagens moldados em silicone e látex. Lideradas pela valente Ginger, galinhas tentam fugir de granja para não virar recheio de torta. Bela homenagem às mulheres, à liberdade e a clássicos do cinema, como ‘‘Inferno 17’’ e ‘‘Fugindo do Inferno’’. Arte e diversão em perfeita harmonia. •••••
Chocolate – Simpática e bem narrada fábula sobre a comédia humana, na melhor tradição do cinema clássico francês. Mulher misteriosa chega a uma pequena cidade francesa e abre loja para vender chocolates que ela mesma faz. Conquista a população mas atrai a ira do poderoso local. Espécie de conto de fadas na linha gastronômica, privilegiando diversão e reflexão. A ‘‘forasteira’’ Juliette Binoche perdeu o Oscar para Julia Roberts, mas o prêmio mais justo seria para a francesa. •••
Cotação • (fraco) •• (razoável) ••• (bom) •••• (ótimo) ••••• (hors concours)