Foi pela preença de um guitarrista icônico, conhecido mundialmente, que um público de mais de 30 mil pessoas lotou o estádio Ligga Arena na noite de terça-feira (24). Foi por Eric Clapton, mas não só por ele, que o público vibrou, aplaudiu e lotou o local oferecendo, na contrapartida, aqueles fragmentos mágicos de grandes espetáculos, quando as laternas dos celulares se acendem para uma interação que vai além das palmas para marcar momentos únicos.

Clapton chegou com tudo para estrear em Curitiba sua turnê pelo Brasil. Trouxe na bagagem - além dos 60 anos de carreira - uma banda de arrasar quarteirão, ou melhor, arrasar estádios inteiros como na noite desta terça, em Curitiba, e de outras noites no Rio de Janeiro, na quinta (26), e em São Paulo no sábado (28) e domingo (29), quando encerra a turnê pelo País.

Para quem viu Clapton na sua estreia no Brasil, fica a imagem inicial de um dos músicos mais emblemáticos do rock entrando no palco sobriamente, de calça e blaser cinzas, um figurino quente para um dia de verão antecipado em Curitiba, quando os termômetros chegaram a 31 graus.

Enquanto o clima e o público também esquentavam, Clapton, aos 79 anos, foi se despojando: tirou o blaser para ficar de camisa azul, enquanto os dedos agéis na guitarra denunciavam sua origem junto à juventude louca de outros festivais (ou carnavais), ostentando anéis enormes que remetem aos anos 60 e 70. Dá pra dizer que dois símbolos da liberdade estavam ali bem visíveis: a guitarra frenética e os seus anéis.

O músico desfiou hits conhecidos, fez a abertura com "Sunshine of Your Love” e daí pra frente não faltaram solos memóraveis e lembranças como "Key to the Hignway”, “Hoochie Coochie Man” e “Bagde”, todas sucessos do Cream, sua banda mais famosa.

Depois da sessão de guitarras poderosas, veio o bloco acústico, quando Clapton, sentado num banquinho com violão, arrancou suspiros, transmitindo uma doçura também presente no repertório de um roqueiro e bluseiro que sabe encantar com emoções alternadas. Este foi um ponto alto do show com “Change the World” e , sobretudo, “Tears in Heaven”, que ele compôs para o filho tragicamente morto, aos quatro anos, depois de cair de um prédio. Frases como : "Será que você saberia o meu nome? Se eu te visse no Paraíso?", remetem a uma dor que nunca se apaga, mas se transformou em música.

A guitarra e a voz de Eric Clapton e sua banda dialogaram fortemente com o público
A guitarra e a voz de Eric Clapton e sua banda dialogaram fortemente com o público | Foto: Célia Musilli

SOLOS PODEROSOS

"Pretending” e “Don’t Let Me Be Lonely Tonight” entraram no terceiro bloco, entre outras, para recuperar o frenesi que faz de Eric Clapton um músico consagrado. Talento que atravessa o tempo, atravessa as gerações que foram lá assistir ao show de cabelos grisalhos ou, ainda, muito jovens, absorvendo, curtindo e se engajando, cada a cara, pelo a pelo, com a potência do rock e a levada do blues.

O único incômodo foi o calorão que não vinha da banda, mas do estádio Ligga Arena que manteve o teto fechado, levando o público a se abanar tantas vezes quanto aplaudiu. Há taxas extras para abrir e fechar o teto retrátil? O som incomoda a vizinhança que tem centenas de moradores nos prédios do entorno? Não se sabe.

Seja o que for, no calor natural do público não há justificativa para injetar outro calor desconfortável, o de um ambiente fechado num dia de verão antecipado que deixa claro, cada vez mais, que o planeta derrete.

Mesmo assim, a banda de Clapton contagiou o público com seu astral, exibindo uma qualidade sonora que dá protagonismo a todos e mostra que ali só cabem feras.

A abertura do show com o guitarrista Gary Clark Jr foi arrasadora, um revival que, em alguns momentos, leva o púbico de volta anos 1970, lembrando Jimi Hendrix com o instrumento que era a extensão do seu corpo. Mas Clark é original, tem vida própria, já ganhou Grammys e quem está na plateia logo se toca: estamos diante de outra lenda.

SÓ FERAS

Todos os músicos norte-americanos da banda: Natan East (baixo), Doyle Bramhall II (guitarra), Sonny Emori (bateria), Tim Caarmon (órgão), as backing vocals Sharon White e Katie Kisson e o veterano Chris Stainton (teclados) estão no Brasil para entregar um dos melhores shows do ano, sem efeitos especiais, sem pirotecnias, sem cenários complexos, deixando o melhor da música no comando.

Ainda houve tempo para que tocassem um fragmento de samba numa celebração da banda ao Brasil. Em Buenos Aires também houve o momento "La Cumparsita", numa comemoração rítmica para cada país por onde passa a turnê furacão.

A guitarra e a voz de Clapton dialogaram fortemente com o público no climax do encerramento do show quando a banda tocou "Cocaine", o hino que levanta roqueiros há décadas. Não foi diferente em Curitiba quando o público vibrou, aplaudiu, cantou, pediu bis e interagiu com um ídolo que deixa na memória um registro histórico cravado na emoção e, desde já, um sentimento de saudade.

* Para os shows em São Paulo ainda há ingressos disponíveis na plataforma Livepass