É extremamente difícil e complicado apreciar e avaliar uma obra incompleta, interrompida ao meio, ou suprimida de sua plenitude em virtude de situações externas alheias. Esse é o caso do espetáculo ‘‘La Pantera Imperial’’ da companhia espanhola do músico e compositor Carles Santos.
Adiado por dois dias consecutivos, devido a problemas burocráticos de alfândega e na sequência pela greve dos caminhoneiros, o equipamento cenotécnico da montagem chegou em Londrina apenas seis horas antes da apresentação. Marcado para as 19 horas de quinta-feira o espetáculo teve início às 23h10. Entre cancelar a apresentação e mostrar o espetáculo incompleto, com corte de duas cenas, uma delas o final de ‘‘La Pantera Imperial’’, a companhia optou por não deixar o público a ver navios.
Uma decisão dolorida para Carles Santos e seu grupo. Não conseguiram apresentar o espetáculo tal como ele foi concebido, tal como realmente é em sua forma estética completa por problemas externos. Por outro lado uma aceitação generosa do público ao assistir uma obra na forma em que não foi concebida, comprometida na completa estrutura de seu conteúdo, devido a adversidades.
O concerto cênico ‘‘La Pantera Imperial’’ trabalha com a desconstrução da aura de seriedade clássica da música erudita, no caso representado na figura do compositor J. S. Bach (1685-1750). Com uma certa ousada leitura da obra Bach, Carles Santos aplica elementos da vanguarda arte contemporânea, em alguns até mesmo totalmente desprovidos de significados, em sua concepção.
A apresentação, na situação em que foi realizada, pode se encarada de várias formas. A Companhia Carles Santos pode considerá-la uma experiência dolorida e fracassada, como também pode encará-la como uma experiência de coragem no ofício de aqui e agora.
A produção do evento pode considerá-la um desafio exaustivo na superação das dificuldades, como também um reflexo da situação social e política do país. O público pode se considerar desrespeitado numa experiência frustrante diante da incapacidade de apreciar, e tirar suas próprias conclusões, de um espetáculo desprovido daquilo que ele deveria realmente ser, como também pode encará-lo como uma rara oportunidade de assistir a uma obra que nunca foi apresentada como tal, que fugiu ao seu desenho original por obra do acaso.