Prova irrefutável de que havia vida inteligente na lista dos dez concorrentes ao Oscar, "Entre Mulheres" chega finalmente a Londrina. Atrasado alguns dias, mas está disponível no Espaço Villa Rica o único trabalho assinado por uma mulher, e que levou a estatueta de melhor roteiro adaptado. Para completar, só fica faltando mesmo “O Triângulo da Tristeza”.

Em “Entre Mulheres”, duas meninas juntam suas tranças assim meio à toa, literalmente se unindo uma à outra. Não é apenas uma imagem, é um significativo comentário visual que a diretora Sarah Polley coloca na narrativa de maneira meio displicente, mas que fica com o espectador enquanto assiste ao filme “Women Talking”, a história de um grupo de mulheres que falam muito, todas com opiniões divergentes, eventualmente se unindo para tomar uma decisão. Que salvará suas vidas.

O filme é adaptado de uma novela baseada em angustiante história real sobre mulheres em uma isolada colônia rural menonita na Bolívia. Mulheres de várias faixas etárias, inclusive crianças, que na primeira década deste século foram drogadas e repetidamente estupradas enquanto dormiam pelos homens de sua comunidade – maridos, pais, irmãos, amigos, todos usufruindo das “regras” da dominação, do poder. Ataques que os autores, quando afinal presos (e condenados: há vários ainda cumprindo penas na Bolívia) atribuiram a Satanás ou à alucinações.

Há três elementos essenciais no roteiro de Polley e da escritora canadense Miriam Toews: o textual, que vem da novela, ambientado (como a vida da autora) em uma comunidade menonita; o visual, que a diretora Sarah Polley organiza com precisão estética, um olhar austero e o poder das elipses, para além do celeiro onde se passa grande parte da trama; e por fim a interpretação, já que ambos, texto e planejamento visual, deixam o peso da história na boca das atrizes, todas magníficas – Claire Foy, Jessie Buckley, Rooney Mara e Judith Ivey.

"Entre Mulheres" mostra mágoas e dúvidas sobre a violência contra mulheres
"Entre Mulheres" mostra mágoas e dúvidas sobre a violência contra mulheres | Foto: Divulgação

O filme defende sua posição, argumenta de forma sensata e apaixonada, mostra mágoas e dúvidas. Obviamente, o lugar onde se situa o ponto de vista é o da mulher diante do patriarcado dilacerante; na verdade, a presença do homem é intuída (exceto por um personagem masculino, o escrivão que faz o registro do dramático encontro das mulheres); mas ela está lá, sempre presente, invisível, ameaçadora, perigosa, violenta, mesquinha...

A terrível premissa inicial, já conhecida, não é verbalizada em nenhum momento. Sarah Polley foge da “recreação” macabra para se concentrar em todas aquelas mulheres que agora procuram uma solução, uma saída, um futuro. Se isso for possível. O filme então se apresenta quase como uma espécie de ensaio, como um procedimento, ou seja, como um ato da imaginação feminina, pois nada do que ele conta pareceria possível.

Essas mulheres são quase um experimento, um laboratório do que deveria ser uma democracia ideal (porque não é real, realista). Primeiro – embora não saibam ler nem escrever – votam nas alternativas propostas graças a alguns desenhos: (1) fica e não faz nada (2), vai embora, ou (3) fica e luta. Um empate entre as duas últimas reúne as mulheres mais importantes da comuna e inicia um debate que passa por todas as grandes questões e reflexões sobre a atual situação das mulheres (e, por que não, da sociedade e da espiritualidade).

Como você responde ao ódio e à violência acima da fé e das crenças? É possível perdoar? Perdoar e esquecer são a mesma coisa? Com que idade as sementes mais injustas e terríveis do meio social germinam nas crianças para transformá-las em monstros ou vítimas, como os mais velhos ? Essas poucas mulheres falam e falam e ouvem-se muito, enquanto os fantasmas do passado as assaltam, lampejos daqueles pesadelos que viveram noite após noite, abusos imperdoáveis e persistentes. Mas é preciso agir. O imobilismo pode ser mortal.

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