"Cinema Paradiso": filme tem a trilha inesquecível de Ennio Morricone
"Cinema Paradiso": filme tem a trilha inesquecível de Ennio Morricone | Foto: Reprodução

Aos 91, morreu em Roma, nesta segunda-feira (6), o compositor e artesão prodigioso, refinado e popular a um só tempo, um dos raros que fizeram da música para cinema um gênero em si, capaz de sobreviver à imagem para se fixar no imaginário de toda uma época. Foi um dos poucos gênios italianos que se converteram em lenda de Hollywood sem jamais ter se mudado para os Estados Unidos. É uma perda tão grande para os conterrâneos como para os cinéfilos de todas as partes, a deste talento que se converteu num dos compositores de música para cinema mais prestigiosos de seu tempo. Sua intuição melódica – para a qual utilizou com frequência a voz humana – e a maestria orquestral postas à serviço da imagem e do clima expressivo dos filmes o distinguiram em um tempo de grandiosas relações entre som e imagem.

A trilogia do western spaghetti: outro momento emblemático do compositor italiano
A trilogia do western spaghetti: outro momento emblemático do compositor italiano | Foto: Reprodução

As trilhas com toques operísticos que fez para os western spaghetti dirigidos por Sergio Leone (colegas no curso primário) foram uma colaboração fecunda e bem sucedida (a famosa “trilogia do dólar” e a “trilogia do tempo”: “Era uma Vez no Oeste”, “Era uma Vez a Revolução e “Era uma Vez na América” – décadas de 1960, 70 e 80), e o tornaram um cineasta idolatrado pelo grande público. Esta simbiose é comparável àquela entre Fellini e Nino Rota e, em outros registros expressivos, Hitchcock e Bernard Herrmann, Spielberg e John Williams, Blake Edward e Henry Mancini.

Mas além das empoeiradas e explosivas façanhas dos pistoleiros de Leone, a música de Morricone comentou o libelo anticolonialista de “A Batalha de Argel (66), de Gillo Pontecorvo e as andanças do comediante Toto em “Gaviões e Passarinhos (66, de Pasolini. Ao longo de seis décadas e quase 500 partituras, ele também compôs para outros cineastas de capital importância para além do entretenimento: Elio Petri (“Investigação Sobre um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita”,70), Giuliano Montaldo (“Sacco e Vanzetti”, 71), Bernardo Bertolucci (“Novecento”, 76), Terence Malick (“Cinzas no Paraíso”, 78), Roland Joffé (“A Missão”, 86), “Os Intocáveis”,97), e Mike Nichols (“Wolf”, 94).

É praticamente impossível afirmar qual de suas trilhas tenha merecido e obtido a preferência unânime do grande público, mas com certeza a trilogia com Clint Eastwood nos anos 1960, e as partituras para os filmes de Giuseppe Tornatore estão entre as mais apreciadas. Indicado cinco vezes ao Oscar, ganhou uma estatueta honorária em 2007 e outra em 2016 por “Os Oito Odiados”, de Tarantino. Prêmio bizarro, já que esta é uma trilha pouco ou nada notável, perto de suas inúmeras obras-primas. Nas outras indicações, a Academia desprezou “Malena”, “Bugsy” e absurdamente “Os Intocáveis” e “Cinema Paradiso”, ambas primorosas.

No livro-entrevista do cineasta e grande amigo Giuseppe Tornatore, o compositor reconheceu: “Bach e Stravinski são os polos determinantes em minha formação. Mas se há um segredo em minhas partituras é o papel do silêncio. Silêncio é música, pelo menos tanto quanto sons, talvez mais. Se você quer entrar no coração da minha música, fique atento aos intervalos, escute os vazios, ouça as pausas”.

'Novecento'': no filme de Bernardo, o coração italiano também na trilha de Morricone  Bertolucci
'Novecento'': no filme de Bernardo, o coração italiano também na trilha de Morricone Bertolucci | Foto: Reprodução

Compositor escreveu o próprio obituário

Folhapress

Ennio Morricone escreveu o próprio obituário, no qual se despede de amigos e familiares. A informação foi divulgada pelo seu advogado Giorgio Assumma.

Morricone foi hospitalizado após sofrer uma queda que fraturou seu fêmur.

Confira abaixo o obituário assinado por Morricone.

"Ennio Morricone está morto. Anuncio a todos os amigos que sempre estiveram próximos de mim e também aos que estão um pouco distantes e os saúdo com muito carinho.

Impossível nomear a todos. Mas uma lembrança especial vai para Peppuccio e Roberta, amigos fraternos muito presentes nos últimos anos de nossa vida. Há apenas uma razão que me leva a cumprimentar todos assim e a ter um funeral privado: não quero incomodá-los.

Saúdo calorosamente Inês, Laura, Sara, Enzo e Norbert por terem compartilhado grande parte da minha vida comigo e com minha família. Quero lembrar com carinho as minhas irmãs Adriana, Maria, Franca e seus entes queridos e que elas saibam o quanto eu as amava.

Uma saudação completa, intensa e profunda aos meus filhos Marco, Alessandra, Andrea, Giovanni, minha nora Monica e aos meus netos Francesca, Valentina, Francesco e Luca. Espero que eles entendam o quanto eu os amava.

Por último mas não menos importante (Maria). Renovo a você o extraordinário amor que nos uniu e que lamento abandonar. Para você, o adeus mais doloroso."

Em sua última composição, Morricone homenageou as vítimas do desabamento da Ponte Morandi, em Gênova, ocorrido em agosto de 2018. A reinauguração, prevista para o fim de julho, contará com a presença da Orquestra do Teatro Carlo Felice, que fará uma apresentação da canção de Morandi, "Tante Pietre a Ricordare".

* Ouça composições de Ennio Morricone feitas para o cinema e executadas no Concerto Arena (Verona/2002)