O ator Emílio Pitta, que está comemorando os 38 anos de carreira com ‘‘Le Vite e Amori di Mattia’’, guarda doces lembranças de quando era menino e vivia no bairro do Ipiranga, em São Paulo. Nascido em Londrina, fora para lá com a família. O pai montara uma fábrica de fogões, chuveiros e aquecedores elétricos Regência – que viria a quebrar quase em seguida, com o advento dos aparelhos a gás. Mas para o menino de cinco, seis anos a vida era uma enorme magia: sob a escrivaninha muito alta do pai, ele se enfiava para divertir os irmãos e amigos das redondezas. Cantava, declamava versos, contava historinhas. Estava surgindo o ator.
O veio artístico se manifestaria e direcionaria a vida de Emílio em 1962, com os Pitta vivendo em Bela Vista do Paraíso. Jovem de 19 anos, estava ele trabalhando numa loja de calçados quando foi convidado por Geraldo Moreira, chefe dos Correios e Telégrafos da cidade, para fazer parte do elenco de ‘‘O Auto da Compadecida’’, de Ariano Suassuna.
Encerrado o expediente, Moreira deixava o posto para ser diretor de teatro e de operetas. Era um apaixonado como poucos pela arte, e farejou no garoto ‘‘saidinho’’ que cantava nas serestas e animava os carnavais, um ator em potencial. Pitta aceitou viver o papel, mesmo sem nunca ter pisado num palco. A experiência valeu para que, logo depois, assumisse o compromisso da direção de ‘‘Pluft, o Fantasminha’’, de Maria Clara Machado. ‘‘Artista que não for exibido, deve ficar na coxia’’, pensava. E ia adiante.
Nem bem terminou a peça já estava em São Paulo, em 1963, para fazer teatro e televisão. Arranjou emprego na Mesbla, fez curso no Teatro Oficina com Eugenio Kusnet, e se entupiu de grandes montagens – assistiu a ‘‘Os Ossos do Barão’’, de Jorge Andrade, com Zeloni; ‘‘Depois da Queda’’, com Maria Della Costa e Sebastião Vasconcelos; ‘‘César e Cleópatra’’, com Cacilda Becker, direção e atuação de Ziembinsky e por aí afora.
Não fez televisão, como imaginava ao deixar o Norte do Paraná rumo à paulicéia. Mas trabalhou com Umberto Magnani como aprendiz de cenografia para televisão, na TV Excelsior. No Teatro Madureira, no bairro da Lapa, atuou em espetáculos humorísticos.
Ficou nessa vida até o final de 1964. Mudou-se para Londrina, onde foi ser produtor do programa ‘‘Ala Jovem’’, na TV Coroados, ao lado dos irmãos Roberto, Lúcia e Edson Diniz. Às quartas-feiras era um dos atores do teleteatro ‘‘O Homem que Conta Histórias’’.
Por mais que quisesse viver de teatro, a vida parecia relutar um pouco para que as coisas se engrenassem. Em 1965 Emílio Pitta tentou a sorte em Rondônia, como chefe do armazém de abastecimento de Vila de Rondônia (hoje Ji-paraná). Ao ser acometido de malária, é enxotado de volta ao Paraná.
Em 1967, devidamente restabelecido, a saúde perfeita, pisa na capital. Nunca mais deixaria Curitiba, a não ser para eventuais participações em alguns trabalhos fora da cidade. ‘‘Sou ator aldeão’’, justifica. Aqui passa pelas mais variadas experiências, ajuda a criar grupos, trabalha nas produções. É um mergulho para sempre.
Pitta delicia-se em contar da noite em que o Grupo Invasão – que ele criou – encenou ‘‘O Santo Inquérito’’, de Dias Gomes, no Teatro da Reitoria. Foi uma apresentação especial, já que a peça cumpria temporada no Teatro de Bolso, da Praça Rui Barbosa. Era o ano de 1968, a repressão estava à solta e misturados às centenas de pessoas na platéia, estava um bando de policiais à paisana.
A polícia queria evitar qualquer manifestação de cores subversivas, e esta encenação tinha uma linguagem anárquica. Pois bem, aproveitando da loucura da montagem, o estudante Vitório Saratchiuk subiu ao palco, tomou posse como presidente eleito do Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal do Paraná, sem que os repressores se dessem conta do que se passava – afinal, para os ditadores, o DCE deixara de ser sigla para ser palavrão.
Emílio Pitta, nestes 38 anos, já contracenou com todos os grandes nomes do teatro paranaense, com Carlos Vereza e Paulo Autran, foi dirigido por Ademar Guerra e Ivan de Albuquerque, deu vida a personagens antológicos de dramaturgos universais. Além do teatro, fez cinema e participações em novelas da TV Globo: ‘‘Suave Veneno’’, ‘‘Sonho Meu’’, ‘‘Por Amor’’. Incomodado com os caminhos por onde arte dramática enveredou, reclama:áá ‘‘O teatro paranaense já teve uma preocupação mais profissional com o conteúdo dos espetáculos. Hoje estamos muito voltados para a forma. Quero crer que isso seja um contágio produzido pela massificação da linguagem televisiva e efeitos especiais do cinema, que faz a cabeça dos encenadores, atores, diretores e técnicos do mundo inteiro em busca da imitação dinâmica e imagética desses veículos.’’
Ele acredita, porém, que está havendo uma retomada dos textos reflexivos. Para tanto é preciso o empenho dos artistas para que ocorra a volta do ‘‘teatro da palavra, teatro da voz, da expressão humana’’.
Sobre a ilusão crescente que acomete os jovens de que representar é postar-se frente às câmeras da TV e sair nas capas das revistas, o ator afirma que ficaria muito feliz se ‘‘o diletantismo ambicioso desse lugar a um ideal de trabalho profissional’’. ‘‘É necessário estudo aprofundado, seriedade de propósito’’, avisa. (Z.C.L.)