2001. Para acessar a internet era preciso conectar uma rede telefônica a um modem. A cada acesso, a cobrança era gerada por impulso e resultava em uma fatura altíssima no final do mês, além das confusões familiares, já que a linha de telefone ficava ocupada durante o uso. Um universo totalmente diferente da atualidade.

Foi nesse passado, nem tão distante assim, que Londrina se lançou no setor audiovisual sem poder imaginar que vinte anos depois, teria tamanha visibilidade, conquistando troféus e prêmios, além de recursos federais. Mais do que isso, passou a fomentar a economia criativa.

Produzido em 2001, o curta-metragem "Pressa" teve um orçamento de R$100 e marca o início de um ciclo fecundo de cinema em Londrina
Produzido em 2001, o curta-metragem "Pressa" teve um orçamento de R$100 e marca o início de um ciclo fecundo de cinema em Londrina | Foto: Divulgação

Foi, de fato, um marco que teve como fio condutor o curta “Pressa”, dos londrinenses Guilherme Peraro e Fernando Henares. Em um telão improvisado em um bar próximo à avenida J.K., em fevereiro de 2001, o público assistiu à primeira produção local em formato digital. A história traz um jovem arquiteto submisso ao tempo para entregar um projeto.

“O Pressa foi uma continuidade do que a gente vinha fazendo em audiovisual. Eu, o Hernandes e o Caio Cesario éramos sócios na Mostra de Cinema, que começou em 99 em Londrina, fruto da união de um grupo que fazia parte de uma oficina de Super 8, que o Cesario trouxe para a cidade”, lembra Peraro.

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Ao longo dos anos, a Mostra se transformou no Festival Kinoarte de Cinema, que chegará à 23ª edição neste ano, sob a coordenação de Bruno Gehring. O Festival é o mais tradicional do Paraná, com uma programação extensa desde a exibição de longas e curtas-metragens, oficinas, rodada de negócios e debates.

“A gente tinha uma necessidade de produzir, em uma época em que as produções eram em película, o que demandava muito dinheiro e uma equipe técnica profissional. Como a internet estava surgindo, eu e o Hernandes vimos a possibilidade de fazer um filme digital”, conta. O curta foi produzido com R$ 100 e distribuído pela rede mundial de computadores www.pressa.cjb.nel (site oficial do filme) e www.cafeconnectionline.com.br

“A gente estava ‘brincando’ para entender a questão do digital e vimos que tinha uma democratização de acesso porque viabilizou financeiramente a produção e também a distribuição pela internet. Amigos que moravam fora, conseguiram assistir o filme”, comenta Peraro, ao ressaltar o pioneirismo em utilizar a internet como um meio divulgador, já que na época não existia um canal agregador de vídeos como o YouTube.

ÂNIMO

O jornalista e cineasta Rodrigo Grota, que acaba de estrear o longa-metragem “Passagem Secreta” na grade da 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes, uma das mais importantes do Brasil, diz que o curta “Pressa” deu início à autonomia da produção local, com diretores e equipe formada por londrinenses. Além do baixo custo.

“Era visionário na época e isso nos animou para novos projetos. Em 2001, ia ser o 3º ano da Mostra de Cinema na cidade e, pela primeira vez, com patrocínio da prefeitura. Ia ser uma mostra mais robusta. O cinema estava começando a se consolidar na cidade e isso deu um ânimo para ampliarmos a mostra, surgirem novas produções”, lembra.

ANO DECISIVO

Dois anos depois do lançamento do primeiro curta londrinense feito em suporte digital e com estreia na internet, veio o que Grota define como período decisivo para o audiovisual local. Em 2003, foi fundada a Kinoarte (Instituto de Cinema de Londrina) oportunizando cursos, cine clube e novas produções.

“A produção local foi crescendo e chegamos à média de 10 curtas ao ano. Alguns foram feitos sem orçamento, outros pelos cursos de pós-graduação que tinha na cidade em faculdades particulares e os demais eram aprovados nos editais do Promic (Programa Municipal de Incentivo à Cultura)”, cita. O cenário se fez tão favorável que naquela época surgiu a Competitiva Londrinense de Curtas.

De todas as produções, Grota destaca que com raríssimas exceções, tudo vem sendo feito no digital, com uma melhora indiscutível da resolução das imagens. Grota lembra que há pouco mais de uma década, quando as imagens já eram captadas no digital, o custo alto envolvia a transferência do filme para película.

“Foi o caso do Satori Uso (2007), da Trilogia do Esquecimento que inclui Booker Pittman (2008) e Haruo Ohara (2010), que estreou no cine Com-Tour e também no Catuaí, onde fizemos um cinema teste”, diz.

INCENTIVO

No decorrer dos anos, Londrina seguiu abrindo a cena e atraindo o público. Em 2014, foi rodado o primeiro longa-metragem “Leste-Oeste”, com toda a equipe formada por profissionais locais.

“Em 2017, fizemos a primeira série de ficção ‘Super Família’ e a produção seguiu aumentado. Em 2019, a prefeitura de Londrina fez um arranjo regional da Ancine (Agência Nacional do Cinema) para patrocinar projetos culturais voltados ao segmento de Audiovisual e entrou com um incentivo de R$ 800 mil, mais os R$ 4 milhões do governo federal”. Foi o maior incentivo que já houve na área de audiovisual em Londrina”, afirma.

Como o edital da Ancine normalmente é renovado a cada dois anos, Grota espera manter o patrocínio neste ano. “Nossa ideia é conversar com o novo secretário municipal de Cultura para podermos apresentar para a Ancine uma nova proposta de arranjo regional. O objetivo é dar continuidade a esse estímulo à produção. Esperamos também poder contar com a formação de novos profissionais porque Londrina não tem mais faculdade de cinema ou curso ligado ao audiovisual. É uma batalha que temos desde a época do ‘Pressa’”, pontua.

PRODUÇÃO LOCAL IMPULSIONA ECONOMIA CRIATIVA E GERA EMPREGOS

Produção local mais recente, "Passagem Secreta"gerou 105 empregos diretos e 225 indiretos
Produção local mais recente, "Passagem Secreta"gerou 105 empregos diretos e 225 indiretos | Foto: Divulgação

“O bom do audiovisual é que ele acaba gerando empregos em variadas áreas da cultura. Por exemplo, atores e atrizes locais, equipes da parte de som, quem tá na equipe de arte geralmente vem de cursos de artes visuais, arquitetura, moda, no roteiro, tem o pessoal do jornalismo e letras”, comenta o jornalista e cineasta Rodrigo Grota.

Ele detalha que no “Passagem Secreta”, terceiro longa-metragem da produtora Kinopus, rodado com uma verba de R$ 1,162 milhões do Ministério da Cultura, foram gerados 105 empregos diretos e 225 indiretos. “É muito saudável para a economia local e, sobretudo, para a economia criativa para mostrar que a cultura produz não só o valor simbólico, mas também tem um valor muito concreto na questão de economia”, destaca.

O “Passagem Secreta” foi idealizado pela roteirista Roberta Takamatsu, que também escreveu a série infantil Super Família, de 2019.