O livro "A Bailarina que Pintava Suas Sapatilhas" (Globinho, 32 págs., 2023) aborda a trajetória da bailarina carioca Ingrid Silva, 34 anos, que durante onze anos tingiu as suas sapatilhas com a cor de sua pele.

Na obra, a bailarina discorre desde o momento em entrou no projeto social Dançando Para Não Dançar, no Rio, até alcançar a Dance Theatre of Harlem, companhia de balé de Nova York. De modo esclarecedor, ela destaca a importância da diversidade não só na dança, mas na sociedade.

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Também autora de "A Sapatilha que Mudou meu Mundo", (Globo, 176 págs., 2021), reconhece que o balé nasceu na Europa e foi idealizado predominantemente por pessoas brancas. Assim, as sapatilhas rosas sempre foram adotadas como um padrão.

Na biografia, Ingrid Silva está na capa, demonstrando o processo "pancaking", ritual extremamente meticuloso de bailarinos negros para pintar os calçados com base - até que finalmente Ingrid Silva conquistasse sapatilhas fabricadas com a cor da sua pele. Um ano após a transformação estrutural que causou, um par das sapatilhas que Ingrid pintava virou peça do Museu Nacional de Arte Africana Smithsonian, nos Estados Unidos.

A carioca Ingrid Silva é autora de um livro que trata da experiência de tingir suas sapatilhas da cor da sua pele; um desses acessórios pintados por ela hoje integra o Museu Nacional de Arte Africana Smithsonian, nos EUA
A carioca Ingrid Silva é autora de um livro que trata da experiência de tingir suas sapatilhas da cor da sua pele; um desses acessórios pintados por ela hoje integra o Museu Nacional de Arte Africana Smithsonian, nos EUA | Foto: Divulgação

UM PASSO NA SOCIEDADE

Em Londrina, no final de 2023, durante a apresentação de " O Lago dos Cisnes", espetáculo de Escola Municipal de Dança de Londrina, a bailarina Maria Eduarda Santos também alcançou grande conquista. Além de sua formatura, ela usou a meia calça e a sapatilha da cor de sua pele.

A agora bailarina profissional recorda: "Enfrentei desafios que me levaram a refletir sobre a importância da diversidade de tons de meia-calça, mas, com determinação, consegui superar essas ponderações e aproveitar minha experiência de dança".

O passo à frente dentro do balé clássico é considerado um marco. "Uma grande conquista, para mim e para mais duas amigas. Conseguimos passar por cima de uma tradição um tanto quanto errada", pensa. Em relação à empatia dos bailarinos, sente-se valorizada. "Meus amigos foram as melhores pessoas nesse processo, sempre me incentivaram e eu nunca fiquei sozinha".

Com perspectivas, ela sente-se realizada. "Esta conquista possui um significado profundo não apenas para mim, mas também para as futuras alunas negras da escola. Em um ambiente predominantemente composto por meninas brancas, considero este avanço um passo gigantesco e estou imensamente feliz por contribuir para essa luta, pois, sem dúvida, foi uma batalha. Especialmente considerando a tentativa de uniformizar a meia-calça no tom salmão, cada passo desse processo ressalta a importância da diversidade e inclusão", ratifica.

Santos considera ainda que em relação às cores das meias e sapatilhas, poderia haver mais opções. " Pois não existem só dois tons de pele negra e um claro e um escuro, mas de todo modo já estou mais contente e espero que minha iniciativa seja revolucionária e inspire outras escolas. Com uma coordenação adequada, certamente será possível replicar esse impacto positivo em outras instituições de ensino", sugere.

Maria Eduarda Santos com amiga e companheira de dança Catarina Guizilini: diversidade e empatia na vida e na arte
Maria Eduarda Santos com amiga e companheira de dança Catarina Guizilini: diversidade e empatia na vida e na arte | Foto: Fábio Alcover/ Divulgação

RESPEITO ÀS DIVERSIDADES

A Coordenadora da Escola Municipal de Dança de Londrina, Luciana Lupi: admite que esta foi a primeira vez que um espetáculo da companhia adere ao movimento e acredita que ele seja global. "A humanidade caminha para o entendimento de que todos devem ser respeitados, independente da cor de sua pele. A meia calça deve ser um prolongamento do tom de pele da bailarina em questão e o artista deve ter suas individualidades respeitadas", diz.

O bailarino e coreógrafo Marciano Boletti observa a mudança de modo assertivo. "Eu considero muito natural e orgânico o movimento e vejo de maneira bem positiva a meia e a sapatilha no tom da pele. Além da valorização das linhas, afirma uma identidade e representa dignidade. Trata-se de um movimento legítimo e representa uma evolução no conceito", comenta.

A bailarina londrinense Beatriz Fernandes de Carvalho Ribeiro da Silva, 16 anos, aluna da Staatliche Ballettschule Berlin, na Alemanha, comemora a vitória e considera que seja de todos. "Já notei bastante descontentamento e muito desconforto para as bailarinas negras. Considero importante a reflexão e a atitude e também a adesão das marcas", diz.

Para a Coordenadora Geral do Festival de Dança de Londrina, Danieli Pereira, o assunto é relevante. "É um movimento e uma luta extremamente legítima, urgente e que tem gerado mudanças efetivas na linguagem da dança. É uma necessidade que de forma concreta bailarinos e bailarinas se reconheçam e tornem afirmativo seu lugar nos palcos e nas salas de ensaio", pontua.

Pereira destaca que na mais recente edição do Festival de Dança de Londrina, em outubro de 2023, a presença massiva de bailarinos e bailarinas negros. "Em diversas linguagens do balé clássico até as danças urbanas, com a utilização de acessórios e figurinos como sapatilhas e meias respeitando seus tons de pele. "E ressalta sobre a importância do respeito à identidade. "Essa luta já é uma conquista que fortalece a área e faz com que crianças, jovens e adultos se identifiquem cada vez mais e vislumbrem sua profissionalização e a dança como forma de vida e trabalho profissional", ratifica.