Normalmente consideramos a determinação e a obsessão como duas irmãs muito próximas. Embora a determinação ocupe o campo da razão e a obsessão ocupe o campo da loucura, as fronteiras entre elas podem se tornar confusas e incertas.

Em “Quando Deixamos de Entender o Mundo”, o escritor chileno Benjamín Labatut revela os momentos em que as fronteiras entre determinação e obsessão são sumariamente eliminadas do pensamento. Não do pensamento emocional e sentimental, do pensamento racional e lógico.

Lançado pela editora Todavia, o livro reúne cinco contos protagonizados por cientistas (das áreas de química, física e matemática) que revolucionaram a ciência do século 20 (Schrodinger, Bohr, Heisenberg, Grothendieck, Bernstein, Schwarzschild,

Einstein, Mochizuki e outros). A grande novidade está em o autor misturar ciência e ficção para criar um gênero indefinido entre o conto e o ensaio.

Benjamín Labatut descreve o livro da seguinte forma: “É uma obra de ficção baseada em fatos reais. A quantidade de ficção aumenta ao longo do livro. Enquanto “Azul da Prússia” só há um parágrafo ficcional, nos textos seguintes tomei liberdades maiores, tentando permanecer fiel às ideias científicas exposta em cada um deles.”

O elemento que une os contos são histórias de homens que entraram tão dentro do pensamento racional da matemática, da física e da química, que tiram os pés do chão. Foram tão longe dentro do pensamento, que perderam o contato com o mundo real. Imersos na racionalidade, passaram a flutuar no universo de solitários delírios. E atingiram o ponto sem retorno.

No conto que abre o livro, “O Azul da Prússia”, reside a ideia narrativa que se estende por todo o livro. Para apresentar a trajetória do químico alemão Fritz Haber, agraciado com o Nobel de Química de 1918, o autor cria uma envolvente rede de velozes conexões de informações. Conexões que passam pela criação de um pigmento específico da cor azul que contribuiu com a invenção do cianureto, um dos venenos mais fatais do mundo.

Baseado no cianureto, Fritz Haber criou o gás Zyklon, componente que foi utilizado como arma de guerra na Primeira Guerra Mundial e provocou milhares de mortes. Também criou o Zyklon B, utilizado para dizimar milhares de judeus nos campos de concentração alemães da Segunda Guerra Mundial, inclusive toda sua família de origem judia.

Nesse meio tempo, paradoxalmente, Haber criou algo que revolucionaria a agricultura do planeta, multiplicando a produção de alimentos e salvando milhões da fome. Foi o primeiro a extrair nitrogênio (o principal fertilizante utilizado na agricultura) diretamente do ar em escala industrial. Morreu sozinho, em 1934, delirando, abraçado a um cilindro de ar.

No conto “O Jardineiro Noturno”, que encerra o livro, Benjamín Labatut vislumbra que, mesmo com toda a conquista científica, as pessoas não seriam capaz de compreender o que de fato significa ser humano: “Podemos separar os átomos, espiar a primeira luz do universo e prever seu fim com apenas um punhado de equações, linhas imaginárias e símbolos enigmáticos que as pessoas normais não conseguem captar, embora tenham controle sobre suas vidas. Mas não são apenas as pessoas normais,

mesmo os cientistas não compreendem mais o mundo. Considere a mecânica quântica, jóia rara de nossa espécie, a mais precisa, abrangente e bela de todas as teorias físicas. Está por trás da supremacia de nossos smartphones, da internet, da promessa do poder divino da computação. Ela remodelou completamente nosso mundo. Nós sabemos usá-la, ela funciona como que por algum estranho milagre, mas não há uma alma humana,viva ou morta, que de fato a entenda. A mente não consegue lidar com seus paradoxos e contradições.”

Publicado em 22 países, “Quando Deixamos de Entender o Mundo” foi indicado aos grandes prêmios de literatura de língua espanhola e inglesa. Nascido na Holanda em 1980, Benjamín Labatut vive no Chile desde a infância. É um dos convidados da 20ª

Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, que acontece logo mais entre os dias 23 e 27 de novembro. Ele participa da mesa “Do Mal Que Tu Me Destes...”, no dia 25, ao lado do escritor paranaense Luiz Maurício Azevedo.

Imagem ilustrativa da imagem Em livro, o encontro entre a ciência e a loucura
| Foto: Divulgação

Serviço:

“Quando Deixamos de Entender o Mundo”

Autor – Benjamín Labatut

Editora – Todavia

Tradução – Paloma Vidal

Páginas – 176

Quanto – R$ 59,90 (papel) e R$ 38,90 (e-book)

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