Em 'chá de cadeira', cultura aguarda 2018
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quinta-feira, 21 de dezembro de 2017
Marian Trigueiros<br>Reportagem Local
O ano de 2017 no âmbito da cultura em Londrina foi atípico e, ao que tudo indica, o próximo ano segue indefinido a par do que acontece em todo país. A questão que ganhou mais visibilidade foi o cancelamento dos três editais do Promic (Programa Municipal de Incentivo à Cultura), logo nos primeiros dias do ano, levando à suspensão da realização de projetos realizados por produtores e vilas culturais. O argumento do novo secretário de Cultura, Caio Cesaro, foi de que a vigoração da lei federal 13.019/14, que começou em 1º de janeiro de 2017 e dispõe sobre a transferência de recursos para entidades sem fins lucrativos, se sobreporia à legislação municipal a qual contempla o Promic. No entanto, esse ponto foi apenas o início da situação que, mês após mês, foi atingindo outros setores da cultura.
Como resultado, em decorrência da demora em se restabelecer o processo, projetos da categoria "independentes" não receberam recursos durante o ano por falta de um instrumento legal. Isso porque, de acordo com análise da Procuradoria Jurídica e Controladoria Geral do município, o repasse não poderia ser feito diretamente para pessoas físicas no modelo atual. Por isso, muitos paralisaram as atividades. No caso dos estratégicos, retomaram apenas em agosto. Ao mesmo tempo, a pasta também não avançou em captação de recursos para projetos parados para restauro ou construção de obras públicas, sobretudo do Teatro Zaqueu de Melo, Museu de Arte de Londrina, Teatro Municipal de Londrina (apesar do MinC ter liberado verba de 2014, recentemente), cujas estruturas estão em estado crítico de conservação. Na última segunda-feira (18), foi aprovada em primeira votação uma emenda do vereador Rony Alves (PTB), ao projeto Plurianual (PPA), para a destinação de R$ 1,9 milhão para execução de obras de acessibilidade no Teatro Zaqueu de Melo e Biblioteca Pública Municipal.
CONSELHO
Outro ponto que ganhou destaque foi a eleição dos novos membros do Conselho Municipal de Políticas Culturais, que teve algumas posses suspensas por falhas no processo. A transição conturbada de mandato fez com que medidas e ações urgentes fossem postergadas. Por fim, um montante do orçamento de R$ 4,3 milhões do Promic para serem executados - no valor de R$ 1,7 milhão - que deveria ter sido aplicado em projetos, já pode ser considerado "perdido". Movimento formado por artistas e produtores culturais, além do próprio Conselho, pede que este seja incorporado ao orçamento de 2018, previsto em R$ 4,5 milhões, o que ainda é uma incógnita. Como parte das esperanças de melhoria, a Câmara de Vereadores aprovou o PL (Projeto de Lei) nº 285/2017, na última segunda-feira (18), que cria o instrumento "Bolsa de Estudo e Pesquisa". Agora, o projeto precisa ser sancionado pelo prefeito Marcelo Belinati.
Após publicação recente de um manifesto publicado - assinado pelo Conselho de Cultura -, membros estiveram na Câmara de Vereadores para comentar a aprovação do PL e sensibilizar o prefeito sobre o valor "perdido". De acordo com o secretário Caio Cesaro, a equipe financeira da Secretaria de Fazenda está realizando estudo técnico para ver a viabilidade de transferência, já que uma suplementação só seria possível se houvesse um superavit do município. "Com a aprovação do PL de bolsas de estudo e pesquisa, resultado de um esforço mútuo entre executivo, sociedade civil e conselho, conseguiremos normalizar a situação do repasse às pessoas físicas. Todas as medidas tomadas neste ano foram para seguir um novo modelo de legislação e reitero que não há qualquer interesse em acabar com o Promic. Também enviamos vários projetos para editais. A secretaria não parou", declarou o secretário.
'Promic não pode tornar-se política marginal'
Implantada em 2003, a lei do Promic se fortaleceu ao longo de quase 15 anos de existência e tornou-se referência e modelo de gestão de recursos culturais no país. Um dos idealizadores e fomentadores da lei, Valdir Grandini, consultor cultural independente (que esteve na Secretaria de Cultura no início dos anos 2000 com a Incubadora de Projetos Culturais), teme que as medidas recentes possam levar à extinção do programa que, a partir da experiência acumulada na cidade e de seus potenciais de criação e produção, resultou em uma política pública que possibilitou condições de fruição da arte e cultura em todas as comunidades da cidade.
"A ideia era de estender aos bairros e distritos rurais, serviços culturais (na forma de oficinas criativas e circulação da diversidade da produção cultural) tendo isso como tão importante quanto as demandas de saúde, educação e segurança, já consolidadas como políticas públicas", pontua Grandini. O objetivo não só foi alcançado, com o início da Rede Cidadania, como ofereceu a criação de melhores condições aos artistas e produtores culturais, criando-se um sistema de fundo municipal de financiamento direto aos projetos. "Tratou-se, portanto, de uma sinergia, de um modelo de gestão compartilhada entre o poder público, o meio cultural e as comunidades".
O primeiro orçamento aprovado e implantado em 2003 foi de R$ 3,5 milhões. "Era um recorde, em termos percentuais, entre os orçamentos de fomento cultural no Brasil. Não há outra coisa a dizer, atualmente, sobre a gestão municipal não ter entre as prioridades a principal experiência municipal de fomento cultural brasileira: é lamentável", critica. Para ele, é fundamental que os esforços sejam para que nenhuma legislação venha a esvaziar o Promic. "A lei do Promic não deve ser vista como imutável, há possibilidades de alterações para que os recursos continuem garantidos. A gestão não pode aceitar que a política cultural torne-se uma política marginal. Ainda há muita resistência para o entendimento de que o processo de criação cultural e artístico parte de pessoas concretas e não pela constituição de uma empresa".