Em cartaz, “Uma Vida – A História de Nicholas Winton”
Anthony Hopkins, próximo dos 90 anos, mostra mais uma vez do que é capaz em sua carreira no filme dirigido por James Hawes
PUBLICAÇÃO
quinta-feira, 21 de março de 2024
Anthony Hopkins, próximo dos 90 anos, mostra mais uma vez do que é capaz em sua carreira no filme dirigido por James Hawes
Carlos Eduardo Lourenço Jorge/ Especial para a FOLHA
“One Life”, esta comovente saga da vida real - entrando nesta quinta-feira (21) em segunda semana em Londrina - mesmo seguindo regras burocráticas (e lacrimogêneas) do gênero biopic, tomou um caminho incomum para chegar às salas de cinema e fazer a diferença. Parece improvável que o filme existisse sem o segmento-verdade da segunda metade do século passado (1988), mostrando ao vivo o show televisivo de variedades da BBC, “That's Life” (uma espécie melhor acabada de Silvio Santos/Faustão/Huck – ou vocês acham que os ingleses também não produzem trash? ). A produção do programa convidou Nicholas Winton, um idoso corretor da bolsa de valores de Londres para entrevistá-lo sobre sua participação no resgate de 669 crianças da Tchecoslováquia para a Inglaterra ameaçadas pela guerra, em sua maioria judias, no final do anos 1930, pouco antes da invasão nazista àquele país.
Sem o conhecimento de Winton, a platéia presente aquele dia no estúdio de TV estava repleta de adultos sobreviventes (na Inglaterra foram contatados 80) daquele episódio, todos na faixa dos 50. Um por um, eles se levantaram e agradeceram ao seu benfeitor, sentado entre eles. O melodrama “Uma Vida – a História de Nicholas Winton”, do diretor James Hawes, coproduzido pela BBC Films e em lançamento mundial (em Londrina entrando hoje, 21, em segunda semana), aborda este episódio com certa cautela. Vemos e ouvimos Winton, interpretado por um previsivelmente intocável Anthony Hopkins, assistindo ao show popular sem muito entusiasmo. Mas isso não nega o impulso emocional do segmento. Sem aquele episódio, Winton, que morreu em 2015 aos 106 anos, teria permanecido no anonimato da cinzenta obscuridade suburbana.
A narrativa mostra Winton limpando seu escritório bagunçado e imaginando o que fazer com um álbum de recortes contendo detalhes da retirada das crianças daquele crescente cenário de terror, 50 anos atrás. Depois de um encontro com a neta de Robert Maxwell – o proprietário do jornal Daily Mirror, ele próprio um emigrado tcheco –, os documentos tantos anos escondidos na gaveta terminam expostos naquele programa de tevê, e a tardia fama humanitária de Winton está finalmente assegurada.
O que diferencia aquele filme das histórias reais narradas de maneira acadêmica nos flashbacks entre Londres e Praga deste outro filme agora comandado pelo idoso Winton/Hopkins são os dolorosos esforços do personagem para processar os traumas há muito reprimidos daqueles angustiantes meses que ele passou tentando salvar as crianças. Quantas ficaram para trás ? O que mais poderia ter sido feito, mas no entanto...? E aquele último trem ? Há pouco disso no roteiro, mas então Hopkins faz a diferença. Ele transmite tudo com seu olhar para o chão e sua hesitação gaguejante. A sueca Lena Olin reaparece como a esposa comovente e solidária. Jonathan Pryce (“Dois Papas”) tem curta mas eficiente participação como um dos poucos personagens sobreviventes da operação resgate.
“Uma Vida” não abre novos caminhos cinematográficos. Mas conta uma história que vale a pena ouvir. Somos novamente lembrados de como muitos na Europa perceberam que o relógio caminhava para a catástrofe nos últimos dias da década de 1930. É uma história emocionante, mesmo que se saiba como tudo terminou. E permite a oportunidade indiscutível de nos mostrar o que é um ator monumental. Poucos continuaram a realizar um trabalho tão bom durante tanto tempo em suas mais recentes décadas de vida. Com oitenta e seis anos completados na véspera do último Ano Novo, Hopkins é sempre o mestre da distração introvertida – aquela pausa no meio da frase, quando ele parece ver algo fascinante na ponta do sapato. Atualmente pode ser visto no streaming interpretando um robô (só para se manter na ativa...) na FC “Rebel Moon”, de Zack Snyder. Ele é o psicanalista homônimo em “A Última Sessão de Freud”, com estreia em junho. Mas lembrem-se sempre do serial faminto Hannibal Lecter. E neste “Uma Vida”, atentem para a cena do pranto incontido à beira da píscina, misto de estresse longamente acumulado e alívio reparador pelo reencontro com “os filhos de Nick”.
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