Em cartaz em Londrina, o sonho e o pesadelo dos migrantes
“Eu, Capitão”, um estudo corajoso e comovente sobre a busca de uma vida melhor, continua no Cine Ouro Verde na próxima semana
PUBLICAÇÃO
sexta-feira, 15 de março de 2024
“Eu, Capitão”, um estudo corajoso e comovente sobre a busca de uma vida melhor, continua no Cine Ouro Verde na próxima semana
Carlos Eduardo Lourenço Jorge/ Especial para a FOLHA
O prolífico e generalista diretor Matteo Garrone (“Gomorra”, 2008) apresentou ano passado no Festival de Veneza um drama alucinante e muito atual, “Io Capitano”, que só não ganhou o Leão de Ouro de melhor filme porque teve pela frente “Pobres Criaturas”, de Yorgos Lanthimos. Mas o italiano Garrone saiu-se muito bem da mostra veneziana, com o Leão de Prata de melhor diretor e o Premio Marcello Mastroianni para ator estreante, o jovem senegalês Seydou Sarr. O filme, que estará em exibição em Londrina por mais uma semana (agora no Ouro Verde, a partir de segunda, 18) vai direto na veia do sonho daqueles migrantes africanos à procura de dias melhores na Europa. O filme de Garrone conta parte dessa história, mostrando o processo da migração ilegal do ponto de vista de dois adolescentes senegaleses, Seydou/Seydou Starr e Moussa/Moustapha Fall, que nunca tinham visto uma câmera. Aliás, o elenco de não profissionais é precioso.
Premiado também em San Sebastián e indicado ao Globo de Ouro e ao Oscar, “Io Capitano” reúne os elementos cinematográficos necessários para esse tipo de realização. Isso inclui tanto aqueles que pertencem à área técnica – como a fotografia impecável ou uma trilha sonora capaz de potencializar qualquer emoção – quanto à narrativa, contando uma história pensada que busca estimular certas culpas coletivas e uma tendência a resolvê-las de forma favorável. O que na vida real geralmente não acontece.
Também co-roteirizado por Garrone, o filme aborda a questão das migrações em que milhões de pessoas saem das regiões mais pobres do mundo (as ex-colônias) em busca do bem-estar dos mais ricos. O protagonista é um adolescente senegalês que, em cumplicidade com um primo da mesma idade, decide sair secretamente de casa na esperança de encontrar vida melhor na Itália e no desejo de ajudar a mãe na criação dos irmãos mais novos.
UMA ODISSEIA
Garrone recorre ao truque de inverter os moldes homéricos da “Odisséia”, já que o objetivo desta viagem não é voltar para casa. Pelo contrário, é uma história de iniciação em que o protagonista deixa a segurança da família (ainda que pobre) para ir à descoberta do mundo. E embora ambas as histórias tenham a aventura como denominador comum, há uma ressalva. Enquanto a viagem de Ulisses é marcada pelo fabuloso e os perigos que enfrenta pertencem a um universo poético, a jornada de Seydou é muito mais prosaica e suas dificuldades obedecem ao mais estrito realismo (embora Garrone introduza com destemor e ternura um toque de magia nesse realismo). Toda uma tradição dentro do cinema italiano. E mais recentemente combinada com a contemporaneidade do olho do documentarista – não poucos momentos no filme parecem saídos do mais cru telejornalismo.
“Eu, Capitao” às vezes abusa de recursos formais como encadeamentos ou certa explicitude ao encenar determinadas situações-limite. Mas tem a seu favor a franqueza do seu personagem principal, interpretado pelo estreante Seydou Sarr, para quem a viagem não representa a descoberta de um mundo de maravilhas, mas muitas vezes uma descida ao inferno. Nesse sentido, pode-se pensar que o modelo literário da “Divina Comédia”, outra história que utiliza o espelho homérico, seja mais adequado à ocasião.
Porém, apesar das situações extremas que o filme impõe ao jovem protagonista (e ao espectador através dele), o roteiro nunca cai na armadilha do miserabilismo de deixá-lo sem saída. Um gesto nobre que consegue atenuar a tragédia implícita na história. Não para adoçar, mas como tentativa de captar a ambiguidade de uma realidade que pode ser avassaladora ou esperançosa, dependendo do extremo da escala social a partir da qual é vista.
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