Em cartaz em Londrina, 'Anora': um filme rumo ao Oscar
Filme vai direto ao coração e exige ser sentido em sua criatividade caótica e esmagadora
PUBLICAÇÃO
quinta-feira, 23 de janeiro de 2025
Filme vai direto ao coração e exige ser sentido em sua criatividade caótica e esmagadora
Carlos Eduardo Lourenço Jorge/ Especial para a FOLHA

Sean Baker é o tipo de cineasta que sabe o que é preciso para fazer filmes sobre experiências humanas difíceis, com autenticidade e sem julgamento. Em “Projeto Flórida” (2017), ele demonstrou as dificuldades enfrentadas por uma mãe solteira criando uma menina em um motel. Com “Tangerine”, filmado com um Iphone em 2015, o desgosto da perspectiva de uma profissional do sexo estava em primeiro plano.
Para o 77º Festival de Cinema de Cannes, ano passado (de onde saiu com a Palma de Ouro), Baker voltou com uma história sobre a ascensão e queda do sonho americano de uma prostituta e dançarina. “Anora” é uma história irrealista, mas adorável, da pobreza à riqueza, repleta de caos, hilaridade, atrevimento e uma atuação estupenda de Mikey Madison – a partir de agora, aposte sempre em Mikey Madison.
LEIA TAMBÉM:
Com Ralph Fiennes, elenco afinado sustenta 'Conclave'
Ani (Madison) trabalha em uma discoteca exótica do Brooklin, em Nova York. Com sua personalidade alegre, raciocínio rápido e movimentos de dança sensuais, ela atrai os clientes com bastante facilidade. Uma noite, Ani conhece Ivan (Mark Eydelshteyn), garotão russo rico que desperdiça a vida em festas, drogas e videogames. Os dois se unem imediatamente, visto que ambos falam russo, embora Ani se atrapalhe adoravelmente com o idioma. E depois de sessões privadas, Ivan decide que quer Ani só para ele.
Vá lá: esta Bela Adormecida de Baker é versão moderna de “Pretty Woman” (Gary Marshall, 1990), exceto com mais loucura, apelo sexual e hilaridade do que você jamais poderia imaginar. Desde a exploração do mundo da dança exótica até sua evolução em uma turbulenta história de amor, “Anora” é uma delícia.
Quando Ani e Ivan se tornam um casal, Baker usa este relacionamento para explorar o sonho americano de uma forma nunca vista antes. O mundo de Ani com Ivan é centrado em sexo, drogas e dinheiro – coisas às quais ela se adapta rapidamente. Quando Ivan a pede em casamento, é muito fácil para Ani dizer sim.
A partir daqui, Baker permite ao espectador se divertir com a história de amor da pobreza à riqueza de Ani. Há romance (pelo menos o que Ivan percebe como tal), uma conexão genuína entre duas almas construída na paixão e na luxúria, e um mundo de entretenimento em abundância. Se “Pretty Woman” é uma aventura romântica de pessoas celebrando a autêntica paixão uma pela outra, “Anora” é isso multiplicado por mil, e mais. A narrativa de Baker mostra o novo estilo de vida de Ani e Ivan – que é cheio de turbulência, circunstâncias impossíveis e um charme diabolicamente doce.
Dificil deixar de torcer por eles em sua nova felicidade. Como sempre no melhor de seu estilo Baker, a felicidade para Ani nunca seria o objetivo final. Com a narrativa autêntica do roteirista-diretor sobre experiências humanas, certamente haverá o drama que trará seus personagens de volta à realidade. O cineasta não apenas vai além, mas vai a todo vapor com a confusão do relacionamento de Ani e Ivan. Como resultado, “Anora” evolui de um drama romântico improvável para uma busca totalmente caótica que certamente fará o publico rir profundamente. E melancolicamente.
O filme funciona por vários motivos. Apesar de ser uma história irreal, Baker se apoia nela para garantir que o resultado final seja aquele em que possamos nos soltar e desfrutar totalmente. Mas esta não é apenas uma história sobre drogas, sexo e dinheiro.
Baker deixa claro os desejos de Ani. Depois de ser criada em um lar disfuncional e desfeito, sem ninguém para demonstrar seu verdadeiro amor incondicional, Ani gravita em torno dos vícios para preencher o vazio. Mas Baker garante que identificar e manter esse tipo de amor não é fácil. Se for fácil, geralmente é acompanhado de promessas duvidosas e desgosto.
“Anora” não deveria ser tão divertido, mas é, e muito. Uma tresloucada história capaz de causar risos e um grande prazer e importante: deixando a sensação de que a mulher que está no centro deste universo bagunçado tem sido maltratada e explorada pela soberba machista há tempos imemoriais.
* Confira a programação de cinema no site da FOLHA.

