Nestes tempos de guerras militares e culturais, é inevitável pensar em épocas diferentes, quando tudo parecia fazer sentido. Todos nós temos esse tempo “correto” na cabeça, seja um tempo da infância, seja uma fase boa da carreira profissional. Em algum lugar no tempo e no espaço jaz nosso paraíso perdido.

Eu, particularmente, romantizo muito minha adolescência. Foi um momento de grandes aprendizados, da experiência de amizades que duram até hoje, de amores que se converteram em memória, beleza, ideal. Sei que se trata de uma visão idealizada, sem deformações, protegida do impacto contra a realidade. Afinal, quem não ampara com os recursos que tem as coisas que mais ama? Salvaguardar algum tempo de contaminações que lhe neguem a perfeição é compreensível e justo. É nossa história que está em jogo.

Voltei ao meu tempo ideal nestes dias em que a invasão da Ucrânia pela Rússia tomou conta dos noticiários. Abrir o jornal, ligar o rádio ou a TV, lá está a guerra, com seus analistas, seus projetistas, seus emuladores. Lembro, então que a pandemia não acabou e pouco se fala dela – é como se não tivéssemos passado os últimos dois anos nos escondendo uns dos outros.

Mas, enfim, voltei ao meu paraíso perdido para fugir da guerra. Estou cansado de bombas, mísseis e narrativas negacionistas. Estou igualmente enfastiado de dizeres que tornam cada palavra uma declaração de voto, uma intenção partidária. Banalizar a política, que é base e essência de nossas vidas, só serve a quem faz dela o pior que pode existir.

Voltei, então, às músicas de minha adolescência, às bandas de rock, aos cabelos compridos, àquela década de 1980 que já não dizia muito sobre o tempo anterior e estava longe de abrir espaços para o que lhe viria mais tarde. Os anos 1980 foram únicos, perdidos, uma lacuna no tempo-espaço, uma espécie de estação espacial a abrigar tudo e todos, sem saber exatamente qual sua grande e verdadeira missão.

Recordo que vi a queda do Muro de Berlim e o mundo à minha volta a se ressignificar; pouco depois, vi desmoronar a potência soviética, o que obrigou ideologias a duras autocríticas. Eu estava ali, jovem de tudo, formando meu caráter, querendo encontrar respostas para aquilo que eu mais tinha: perguntas. Sem saber – é claro –, fui forjando meu jeito de ser e estar no mundo em meio àqueles movimentos transformadores, únicos. Tornei-me um democrata escarafunchando meu paraíso perdido, isto é, meu tempo de adolescência que guardava a maioria das respostas a que eu buscava. Passei anos olhando para o futuro, aguardando explicações do tempo, mas foi no passado (que prediz futuros) que me deparei com as forças coesas de minhas ideias. Hoje vivo um presente tranquilo, uma vez que fiz as pazes com o tempo que se foi e estou de peito aberto para viver o tempo que virá.

Volto à guerra. Vejo-a com tristeza. Mal sabem seus protagonistas que não haverá vencedores. Meu consolo é saber onde está meu paraíso perdido, cultivá-lo feito um jardim especial. Protejo-me nele. Preparo-me nele para o que der e vier.

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. | Foto: iStock

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A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.

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