Drama e comédia a bordo
O diretor Steven Soderbergh reúne três divas em longa-metragem disponível na HBO Max
PUBLICAÇÃO
quinta-feira, 01 de julho de 2021
O diretor Steven Soderbergh reúne três divas em longa-metragem disponível na HBO Max
Carlos Eduardo Lourenço Jorge
Vencedor de prêmios importantes – Oscar de direção por “Traffic” (2000), Palma de Ouro por “Sexo, Mentiras e Videotape” (1989), o eclético diretor Steven Soderbergh, 58, vem nos últimos anos expandindo sua veia mais experimental e, portanto, mais intrigante, assumindo gêneros desconhecidos e deixando mais visível uma saudável predileção pela ousadia do audiovisual, que cresceu significativamente desde os formatos de filmagem e exibição que deixaram de ser aqueles exclusivos do século passado. Como o longa “Unsane”, que realizou em 2018 utilizando um Iphone.
Reconhecidamente cineasta de abordagem fria e distante, seu atrevimento mais recente foi dar um tempo à frieza para encarar alguns personagens melancólicos e falar sobre terceira idade, envelhecimento e amizade; e de quebra, acrescentar algumas ideias ao processo da criação artística – a literária, no caso. O resultado é o longa “Let Them All Talk” (não há título em português, mas quem já viu sabe que a tradução literal faz sentido – “Deixe Que Todos Falem”). O filme, que oferece boas recompensas, está disponível na HBO Max (e nas vizinhanças não oficiais...).
O diretor Soderbergh convenceu três grandes atrizes a fazer uma arejada comédia dramática a bordo do Queen Mary 2 em uma travessia transatlântica – Meryl Streep, Candice Bergen e Diane Wiest. Streep interpreta Alice Hughes, escritora famosa e respeitada, premio Pulitzer na bagagem e que recebeu agora o Prêmio Footling (fictício), dado por escritores, e que ela precisa receber na Inglaterra. Mas Alice não gosta de aviões, e sua jovem agente Karen (Gemma Chan) consegue para ela uma cabine de luxo a bordo do citado navio. O arranjo consiste em que Alice dê aos passageiros uma palestra a bordo. Ela poderá ainda levar outras três pessoas: duas velhas amigas de muitos anos atrás e seu sobrinho de vinte e poucos (Lucas Hedge).
O filme tem diálogos interessantes, a maioria deles saídos da ficção da contista americana Deborah Eisenberg. E boa parte também improvisados pelos atores. É um daqueles filmes tranquilos em que aparentemente nada ou muito pouco acontece, embora na realidade aconteça muita coisa, porque quase tudo na vida é normal, e isso é porque o cotidiano não chama a atenção, mas é o que nos preenche. Parece uma peça jazzística, divertida, enfatizada pela música cuidadosa de Thomas Newman. Soderbergh, como de hábito, cuida da fotografia e da edição (com pseudônimo), e optou por realmente filmar a bordo do Queen Mary, mas longe de oferecer uma espécie de episódio luxuoso de “Férias em Alto Mar”, ou algo semelhante.
A trama envolve um olhar acurado (e suavizado pelo humor) tanto para a chamada criação literária “séria” como para aquela mais “comercial”, na pele de outro escritor também a bordo, autor de best-sellers de mistério e suspense. “Let Them All Talk” traz algumas reflexões sobre amizade, traição (as três velhas amigas tem contas a ajustar), o vampirismo do ofício de escrever, e como isso afeta o relacionamento entre as pessoas próximas de quem cria as histórias.
Ao final prevalece a sensação de que Soderbergh, embora na superfície tenha filmado um clássico convencional, uma vez mais partiu para a experimentação – é evidente que nada radical, mas não deixa de ser uma reflexão original sobre vários temas. Inclusive sobre o cinema. E aplausos para as três divas em cena.