Meryl Streep está no filme que conta com diálogos interessantes da contista norte-americana Deborah Eisenberg
Meryl Streep está no filme que conta com diálogos interessantes da contista norte-americana Deborah Eisenberg | Foto: Divulgação

Vencedor de prêmios importantes – Oscar de direção por “Traffic” (2000), Palma de Ouro por “Sexo, Mentiras e Videotape” (1989), o eclético diretor Steven Soderbergh, 58, vem nos últimos anos expandindo sua veia mais experimental e, portanto, mais intrigante, assumindo gêneros desconhecidos e deixando mais visível uma saudável predileção pela ousadia do audiovisual, que cresceu significativamente desde os formatos de filmagem e exibição que deixaram de ser aqueles exclusivos do século passado. Como o longa “Unsane”, que realizou em 2018 utilizando um Iphone.

Reconhecidamente cineasta de abordagem fria e distante, seu atrevimento mais recente foi dar um tempo à frieza para encarar alguns personagens melancólicos e falar sobre terceira idade, envelhecimento e amizade; e de quebra, acrescentar algumas ideias ao processo da criação artística – a literária, no caso. O resultado é o longa “Let Them All Talk” (não há título em português, mas quem já viu sabe que a tradução literal faz sentido – “Deixe Que Todos Falem”). O filme, que oferece boas recompensas, está disponível na HBO Max (e nas vizinhanças não oficiais...).

O diretor Soderbergh convenceu três grandes atrizes a fazer uma arejada comédia dramática a bordo do Queen Mary 2 em uma travessia transatlântica – Meryl Streep, Candice Bergen e Diane Wiest. Streep interpreta Alice Hughes, escritora famosa e respeitada, premio Pulitzer na bagagem e que recebeu agora o Prêmio Footling (fictício), dado por escritores, e que ela precisa receber na Inglaterra. Mas Alice não gosta de aviões, e sua jovem agente Karen (Gemma Chan) consegue para ela uma cabine de luxo a bordo do citado navio. O arranjo consiste em que Alice dê aos passageiros uma palestra a bordo. Ela poderá ainda levar outras três pessoas: duas velhas amigas de muitos anos atrás e seu sobrinho de vinte e poucos (Lucas Hedge).

O filme tem diálogos interessantes, a maioria deles saídos da ficção da contista americana Deborah Eisenberg. E boa parte também improvisados pelos atores. É um daqueles filmes tranquilos em que aparentemente nada ou muito pouco acontece, embora na realidade aconteça muita coisa, porque quase tudo na vida é normal, e isso é porque o cotidiano não chama a atenção, mas é o que nos preenche. Parece uma peça jazzística, divertida, enfatizada pela música cuidadosa de Thomas Newman. Soderbergh, como de hábito, cuida da fotografia e da edição (com pseudônimo), e optou por realmente filmar a bordo do Queen Mary, mas longe de oferecer uma espécie de episódio luxuoso de “Férias em Alto Mar”, ou algo semelhante.

Meryl Streep interpreta uma escritora premiada no longa que ainda reúne outras divas como Candice Bergen e Diane Wiest
Meryl Streep interpreta uma escritora premiada no longa que ainda reúne outras divas como Candice Bergen e Diane Wiest | Foto: Divulgação

A trama envolve um olhar acurado (e suavizado pelo humor) tanto para a chamada criação literária “séria” como para aquela mais “comercial”, na pele de outro escritor também a bordo, autor de best-sellers de mistério e suspense. “Let Them All Talk” traz algumas reflexões sobre amizade, traição (as três velhas amigas tem contas a ajustar), o vampirismo do ofício de escrever, e como isso afeta o relacionamento entre as pessoas próximas de quem cria as histórias.

Ao final prevalece a sensação de que Soderbergh, embora na superfície tenha filmado um clássico convencional, uma vez mais partiu para a experimentação – é evidente que nada radical, mas não deixa de ser uma reflexão original sobre vários temas. Inclusive sobre o cinema. E aplausos para as três divas em cena.