Nelson Sato
De Londrina
O disco anterior chamou-se ‘‘Elétrica’’. O novo poderia se chamar ‘‘Eletrônica’’. Para a aprovação de uns, maledicência de outros e perplexidade de muitos, a cantora baiana Daniela Mercury acaba de provocar um curto-circuito na axé music.
Depois de convocar o produtor Dudu Marote e os DJs Mau Mau e Jon Carter para acompanhá-la no trio elétrico durante o último Carnaval da Bahia, ela intensifica sua adesão às batidas e interferências tecno no novo CD,‘‘Sol da Liberdade’’, que está chegando esta semana às lojas.
O samba-reggae ‘‘Ilê Pérola Negra’’, escolhido para clipe promocional, já empesteia as rádios. A maioria das faixas foi produzida pelo inglês Will Mowat. Outras três trazem a assinatura de Emílio Estefan, responsável pelo atual estouro de música latina nos Estados Unidos.
O texto de divulgação distribuído pela gravadora à imprensa diz que este é o disco ‘‘mais internacional’’ da cantora, que em julho embarca para a Europa e em setembro para os Estados Unidos. Foi, aliás, a partir de uma de suas viagens ao exterior que Daniela teve a idéia de juntar DJs e percussionistas para animar o público.
A eureka veio – segundo seu depoimento à MTV na última quinta-feira – depois de assistir à Love Parade, a maior parada de tecno do mundo, que reúne até 1,5 milhão de pessoas em Berlim. Nas avenidas de Salvador, porém, Daniela chegou a ser vaiada pelos foliões mais empedernidos, talvez inconformados com a ‘‘colonização’’ dos ritmos locais.
O disco, por sua vez, também corre o risco de sofrer rejeição: só que pelos simpatizantes encardidos da eletrônica. É que as faixas nas quais Daniela dá livre vazão aos efeitos e batidas programadas, são justamente as menos inspiradas do álbum, caso da sofrível ‘‘Funk da Decepção’’, do dispensável remix ‘‘Ilê Pérola Negra’’ e da indisfarçável cópia de Fernanda Abreu ‘‘Itapuã Ano 2000’’.
Há ainda um recurso insistente, que se transforma em clichê no disco. Por firulas da produção, pelo meno cinco faixas são introduzidas com vinhetas trazendo timbres eletrônicos, instrumental discreto e vocais baixos (em alguns casos, Daniela quase sussurra os versos) para só em seguida explodir no vozeirão da cantora e nas batucadas dançantes.
Uma dessas introduções chega a distorcer e alterar a voz da cantora xerocando o grupo inglês de trip hop Portishead. Daniela é uma animadora de multidões. É malhada para dançar e soltar a voz. Quando tenta soar intimista, constrange o ouvinte. Quis gravar Roberto Carlos e se deu mal. ‘‘De tanto Amor’’, em sua interpretação áspera, virou um desperdício. O mesmo ocorre em ‘‘Sou Voc꒒, de Caetano Veloso.
Mas há pepitas no disco: ‘‘Santa Helena’’ (de Márcio Mello) e ‘‘Viagem’’ (da compositora-revelação Vanessa da Mata), ambas com bonitos arranjos vocais, sobressaem e quase fazem esquecer os tropeços. O CD traz participações especiais: Milton Nascimento divide os vocais com Daniela em ‘‘Sol da Liberdade’’, Dominguinhos manda ver no acordeom em ‘‘Sol da Liberdade’’ e ‘‘Só no Balanço do Mar’’, o produtor Suba (morto no ano passado) toca teclados em ‘‘Viagem’’ e a cantora africana Angelique Kijo faz um dueto vocal em ‘‘Dara’’.
‘‘Sol da Liberdade’’ é o quinto álbum-solo de Daniela Mercury. Seu núcleo é o samba-reggae, agora revestido de timbres computadorizados. Já correm boatos de que a cantora pretende levar seu trio elétrico-eletrônico à Love Parade, em Berlim, em julho. Quem vai segurar a moça?