DINHEIRO NA MÃO DOS MENINOS
PUBLICAÇÃO
sábado, 17 de março de 2001
Valmir Denardin De Curitiba
Para se transformar num dos maiores eventos culturais brasileiros, o Festival de Teatro de Curitiba (FTC) cuja 10ª edição começa na próxima quinta-feira , teve a generosa contribuição do dinheiro público, apesar de ser promovido por uma empresa privada. Ao longo dos anos, verbas da prefeitura da capital paranaense e do governo do Estado ajudaram a alavancar e manter o festival e ampliar sua abrangência.
Desde seu início, em 1992, os dois órgãos públicos canalizaram ao patrocínio do evento pelo menos R$ 2,9 milhões em dinheiro sem contar a cessão gratuita de espaços e estruturas para as apresentações. A maior parte desse valor é da Prefeitura de Curitiba. Até este ano foram R$ 2 milhões, segundo levantamento feito pela própria assessoria de imprensa do festival.
Há três anos, o orçamento do festival permanece o mesmo: R$ 1,5 milhão. Até a nona edição, o patrocínio público representou quase 40% desses custos. Neste ano, a Secretaria Estadual da Cultura cortou a verba que vinha destinando, de R$ 200 mil anuais. Já a prefeitura, manteve o repasse, de R$ 300 mil. O restante do orçamento é garantido por grandes empresas privadas como Banestado/Itaú e TIM Telepar Celular e uma estatal federal, a Petrobras.
O festival foi uma iniciativa ousada de cinco estudantes curitibanos: Cassio Chamecki, Victor Aronis, Leandro Knopfholz, Carlos Eduardo Bitencourt e César Hélio Oliveira. Em comum, tinham a pouca idade (a maioria nem chegara aos 20 anos), quase nenhum dinheiro e uma pequena afinidade com o meio teatral. Mesmo assim, o evento deu certo. Conseguiu trazer à cidade nomes de vanguarda, como Gerald Thomas e Cacá Rosset, e estréias nacionais. Já no primeiro ano, virou referência na área.
Com o intensivo apoio operacional do então prefeito Jaime Lerner, o festival inaugurou, na sua primeira edição, dois grandes espaços públicos: a Ópera de Arame e o Canal da Música. O apoio financeiro da prefeitura veio na quarta edição do evento, em 1995, quando Rafael Greca chegou à prefeitura. No mesmo ano, quando Lerner assumiu seu primeiro mandato como governador, os três organizadores do festival Bitencourt e Oliveira já haviam deixado o grupo passaram a contar com o patrocínio do governo estadual.
Em 1998, a proximidade dos organizadores do festival com membros do governo estadual gerou um escândalo. A Promotoria de Defesa do Patrimônio Público chegou a investigar a então secretária estadual de Cultura, Lúcia Camargo. Em março daquele ano, a secretária, uma antiga colaboradora do festival, contratou, por R$ 250 mil, sem licitação, a Associação para o Incentivo à Cultura e ao Entretenimento (Apice), para que essa instituição pagasse os cachês das companhias que se apresentariam na sétima edição do festival.
A Apice é uma das promotoras do FTC, ao lado da Esquina do Ingresso Agência de Promoção de Eventos LTDA, que utiliza o nome fantasia de Calvin Entretenimento. Tanto a empresa quanto a associação são ou foram controladas por Chamecki, Knopfholz e Aronis. Em maio de 98, Knopholz deixou a vice-presidência da Apice.
Fundada pelos três em agosto de 1996, a Apice tinha como sócia efetiva (com direito a voto nas assembléias gerais) a então secretária de cultura, Lúcia Camargo. O Estatuto do Servidor Público proíbe servidores de ser diretores ou integrar conselho de empresa fornecedora, ou que realize qualquer modalidade de contrato com órgão público, sob pena de demissão.
Apesar de alegar que deixara a Apice em 30 de janeiro de 98, para assumir a secretaria, o episódio foi um dos fatores que levaram à saída de Lúcia do cargo, em 2000. Em fevereiro deste ano, a ex-secretária assumiu a Diretoria do Departamento de Teatros da Prefeitura de São Paulo, que administra o Municipal e outras sete casas. Mesmo em outro Estado, ela continua atuando no festival. Nesta edição, é curadora do evento.
Neste ano, o financiamento público do festival voltou a gerar questionamentos. A situação que motivou a investigação do Ministério Público em 98 parece se repetir. Dois dos sócios da Esquina do Ingresso assumiram cargos na Prefeitura de Curitiba. Convidados pelo prefeito Cassio Taniguchi (PFL), Cassio Chamecki tornou-se presidente e Leandro Knolpfholz diretor artístico da Fundação Cultural de Curitiba. É exatamente esse organismo o responsável pelo patrocínio de eventos culturais, entre eles o FTC.
A Folha apurou que, mesmo cumprindo funções públicas, Chamecki e Knopfholz continuam sócios da Esquina do Ingresso. O nome deles aparece nos registros da Junta Comercial do Paraná, onde a empresa está registrada.
A reportagem apurou também que Chamecki não se afastou oficialmente da presidência da Apice, como afirmara ao assumir o cargo na Fundação Cultural. Até a última terça-feira, não havia sido registrada no cartório do 1º Registro de Títulos e Documentos de Curitiba nenhuma alteração da diretoria da Apice. No local estão todos os documentos da instituição. Legalmente, apenas Knopfholz deixou a Apice. Isso ocorreu há quase dois anos. Alegando compromissos particulares, ele pediu afastamento da vice-presidência, em 30 de maio de 1998.