Em 2009 o escritor colombiano Gabriel García Márquez declarou que estava se aposentando da literatura. Não pretendia escrever mais nenhum livro, estava cansado. Estava com 82 anos, tinha mais de 30 livros publicados em 36 línguas e um prêmio Nobel de Literatura.

Na verdade García Márquez estava começando a perder o elemento primordial de sua literatura, a memória: “A memória é, ao mesmo tempo, minha matéria-prima e minha ferramenta - sem ela, não existe nada.” Em 2012 a família divulgou a notícia de que ele havia sido diagnosticado com demência. Apesar dos lapsos de memória, continuou trabalhando naquele que seria seu último livro, um romance chamado “Em Agosto nos Vemos”.

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O livro ainda é uma ameaça no século 21

Ao longo dos anos escreveu cinco versões do livro. Poucos meses antes de morrer em 2014, García Márquez, também conhecido como Gabo, colocou o ponto final na história anotando um “ok” na última versão. Mas deixou expresso para a família que o livro não deveria ser publicado. Utilizou as seguintes palavras: “Esse livro não presta. Tem que ser destruído.”

Como era de se esperar, a família não destruiu a obra e após 10 anos da morte de Gabriel García Márquez (1927 – 2014) resolveu publicar o livro. “Em Agosto nos Vemos” acaba de ser publicado simultaneamente em vários países. No Brasil foi lançado pela editora Record semana passada.

No prefácio os filhos de Márquez, Rodrigo e Gonzalo, justificam a publicação do romance da seguinte forma: “Não destruímos o livro, mas o deixamos de lado, com a esperança de que o tempo decidisse o que fazer com ele. E lendo o livro uma vez mais, quase dez anos depois de sua morte, descobrimos que o texto tinha muitíssimos méritos desfrutáveis. De fato, não está tão lapidado como seus maiores livros. Tem alguns tropeços e pequenas contradições, mas nada que nos impeça de apreciar o que há de mais relevante na obra de Gabo: a capacidade de invenção, a poesia da linguagem, a narrativa cativante, o entendimento acerca do ser humano e o carinho por suas vivências e desventuras, sobretudo no amor. O amor, provavelmente o tema principal de toda sua obra.”

E prosseguem: “Ao julgar o livro melhor do que lembrávamos, nos ocorreu outra possibilidade: a de que o declínio de suas faculdades mentais, que não permitiu a Gabo terminar o livro, também o impediu de perceber como ele estava bem-feito. Num ato de traição, decidimos colocar o prazer dos leitores acima de todas as outras considerações. Se os leitores celebrarem o livro, é possível que Gabo nos perdoe. É nisso que confiamos.”

DESEJO DE FLERTAR

“Em Agosto nos Vemos” narra a história de Ana Magdalena, uma mulher de 46 anos que leva uma vida pacata ao lado do marido e dois filhos. Casada há 27 anos, nunca esteve na cama com outro homem além do marido. Sua monotonia existencial é quebrada apenas uma vez por ano, todo dia 16 de agosto, quando viaja sozinha para visitar o túmulo da mãe sepultada no cemitério de uma ilha turística do Caribe.

Ana Magdalena não entende porque a mãe, ao morrer com 50 anos, escolheu ser enterrada em um local distante e turístico, mas todo agosto visita seu túmulo depositando um ramo de gradíolos (palma-de-santa-rita). Em uma das visitas, no restaurante do hotel onde está hospedada, começa a sentir algo novo e diferente: o desejo de flertar. Num impulso, acaba experimentando uma noite de sexo com um estranho. No dia seguinte volta para casa, para o marido e filhos, como se nada estivesse acontecido.

A partir desse dia, Ana Magdalena decide colocar um elemento a mais em suas visitas anuais ao túmulo da mãe: caçar um homem desconhecido e viver uma tórrida noite de sexo. E nunca repetir o mesmo homem. E nunca criar intimidade sentimental. O amor de uma noite só. E assim, com o passar dos anos, em segredo, todo dia 16 de agosto ela vive uma vida paralela.

De todas as experiências anuais, apenas uma a incomoda: não saber o motivo que levou um dos homens, após deixar sua cama, depositar uma nota de 20 dólares dentro do livro que estava sobre a mesa do quarto de hotel. O livro que ela estava lendo durante a travessia da balsa, “Drácula” de Bram Stoker.

No final de “Em Agosto nos Vemos” a personagem tem uma súbita epifania e entende porque a mãe escolheu ser enterrada na distante ilha turista. Uma compreensão desprovida de realismo fantástico.

Imagem ilustrativa da imagem Desejos de mulher: tema do livro póstumo de Gabriel García Márquez
| Foto: Divulgação

SERVIÇO

“Em Agosto nos Vemos”

Autor – Gabriel García Márquez

Editora – Record

Tradução – Eric Nepomuceno

Prefácio – Rodrigo e Gonzalo García Barcha

Posfácio – Cristóbal Pera

Páginas – 132 (capa dura)

Quanto – R$ 59,9