De anjo a dândi californiano
PUBLICAÇÃO
terça-feira, 17 de novembro de 1998
Celso Mattos
Para aproveitar a beleza e a sensibilidade de Cidade dos Anjos, que acaba de chegar às locadoras, é preciso fazer duas ressalvas: o filme não um é remake do clássico Asas do Desejo, de Wim Wenders, realizado em 1987 e também não é um Ghost melhorado como muitos insistem em classificá-lo. Apesar de sua alta dose de glicose, Cidade dos Anjos, dirigido por Brad Silberling é, acima de tudo, uma obra que fala sobre a fragilidade e a brevidade da existência humana.
Na verdade, o diretor Brad Silberling, que tem no seu currículo cinematográfico apenas o mediano Gasparzinho, se inspirou em Asas do Desejo, transformando uma fábula existencial e hermética em um drama romântico que retrata com muita poesia o mito do amor eterno. Se em Asas do Desejo, Wim Wenders mostrava uma Berlim antes da queda do Muro, em Cidade dos Anjos, a fotografia descortina-se sobre uma Los Angeles melancólica e moderna, privilegiando os prédios com design arrojados, as grandes avenidas e um belo pôr-do-sol. É uma homenagem que o diretor faz à cidade dos sonhos que sempre é explorada nos filmes como violenta e desumana.
Nicolas Cage é o anjo Seth, que passa o dia perambulando pelas ruas, bibliotecas e hospitais, reconfortando aqueles que perdem seus entes queridos. Descontente com sua condição de imortal, ele imagina como seria poder experimentar o toque de outras pessoas, sangrar, sentir dor, cansaço e fome - coisas que são negadas aos anjos. No entanto, o que Seth mais anseia é entender por que a vida, mesmo sendo tão frágil, é o bem mais precioso da humanidade. Ao tentar ajudar a cardiologista Maggie (Meg Ryan), que está deprimida por ter perdido um paciente, ele acaba se apaixonando pela médica. Apesar dos riscos, o anjo decide se tornar visível a ela, passando a fazer parte de sua vida.
A química que rola entre os dois é de um lirismo impressionante. Brad Silberling conduz o filme explorando com muita serenidade os pequenos gestos e o gosto amargo das emoções humanas. Cidade dos Anjos é uma divagação poética sobre os limites do espírito e da matéria. Mesmo sendo açucarado demais, é um filme reconfortante. E tem outra: um pouco de glicose sempre faz bem à saúde.
Ao contrário da trilha sombria do filme de Wim Wenders, Cidade dos Anjos aposta numa combinação de grandes nomes da música pop, reunindo U2, Paula Cole e Jimi Hendrix. Já as lentes do fotógrafo John Seale exploram a luminosidade típica de Los Angeles, retratando a metrópole de forma idílica. Porém, toda a carga emocional do filme está no roteiro que procura explorar os dilemas humanos diante de brevidade da existência. Meg Ryan está bastante convincente no papel de uma cirurgiã-cardíaca e Nicolas Cage trabalha muito bem a vulnerabilidade de seu personagem. Cidade dos Anjos é uma injeção de ânimo e reconforto para aqueles que estão com a auto-estima em baixa. Lançamento da Warner Home Vídeo. Duração: 144 minutos.