A transferência da Secretaria Especial de Cultura ao Ministério do Turismo, assinada quinta-feira, retira das mãos de Osmar Terra (MDB), ministro da Cidadania, uma área que lhe rendia críticas de pessoas do governo, alas conservadoras e da esquerda. Ainda nesta quinta, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) nomeou o diretor Roberto Alvim para o cargo de secretário especial de Cultura.

A crise na gestão da pasta transbordou em agosto, com a saída turbulenta de Henrique Pires do comando da secretaria. O ex-secretário disse que a "gota d'água" para deixar o cargo seria a suspensão do edital que selecionaria obras com temática LGBT para serem exibidas em TVs públicas.

A escolha do sucessor, o economista Ricardo Braga, nem sequer passou pelas mãos de Terra, que só foi conhecer o currículo de seu subordinado dias após a nomeação. Braga deixou a pasta após dois meses apagados na Cultura, para assumir cargo no Ministério da Educação.

A mudança dá força ao ministro do Turismo, Álvaro Antônio, alvo de desgaste por suspeitas relacionadas a desvio de recursos públicos por meio de candidaturas laranjas nas eleições de 2018. Antes de bater o martelo sobre a transferência da secretaria, o governo cogitou encaixar a pasta nos ministérios da Casa Civil ou da Educação. No fim, venceu a tese de que o Turismo tem mais proximidade com a Cultura.

"Projetos importantes para o Brasil já vinham sendo desenvolvidos em parceria pelas duas pastas, que possuem objetivos sinérgicos e naturalmente integrados, pois o Brasil é o 9.º país do mundo em atrativos culturais para turistas", afirmou o Ministério do Turismo em nota.

Auxiliares de Osmar Terra reduzem o impacto da transferência da secretaria de cultura. Afirmam que a medida foi feita em acordo com o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM), e o presidente Jair Bolsonaro (PSL). Bolsonaro e Terra conversaram durante viagem à China sobre a mudança na pasta.

Repetidas vezes, Bolsonaro criticou o financiamento público de filmes e séries com temática LGBT. Em entrevista à youtuber Antonia Fontenelle, em setembro, o presidente disse que é preciso "retirar" dos órgãos públicos pessoas que "não aprovam" filmes com "temática do nosso lado". "O tempo vai fazer a gente descontaminar esse ambiente para a boa cultura no Brasil", disse. "Mudou o governo. Não é mais o PT, onde a família era um lixo, onde os valores familiares não valiam nada. Tá na Constituição: o que é família? Homem e mulher. Tá escrito lá. Emende a Constituição e a gente vê como fica. Como sou cristão, vai ter de apresentar uma emenda à bíblia também", declarou o presidente.

A mudança também ocorre após uma série de trocas no primeiro escalão de órgãos da cultura, como na Funarte, Fundação Casa Rui Barbosa e Iphan.

Repercussão

A transferência da Secretaria Especial de Cultura para o Ministério do Turismo gerou críticas da classe artística e de políticos de diversos partidos. "Que absurdo a cultura do nosso país sendo tratada dessa forma", escreveu nas redes sociais o secretário municipal de Cultura de São Paulo, Alê Youssef. "Atacada, sucateada, censurada. E agora, jogada como uma sub pasta de um ministério para outro. Alvo da sanha de grupos obscurantistas raivosos."

O deputado federal Alexandre Frota (PSDB-SP) fez um post ironizando o presidente Jair Bolsonaro. "Com a ideia de Bolsonaro transferir a Secretaria de Cultura que estava na Cidadania para o Ministério do Turismo acho que o primeiro filme a ser realizado poderia ser o Meu Pé de Laranja Lima", escreveu o deputado, referindo-se ao ministro Álvaro Antônio, alvo de desgaste por suspeitas relacionadas a desvio de recursos públicos por meio de candidaturas laranja nas eleições de 2018.

Dois ex-ministros da Cultura também se manifestaram. Marcelo Calero chamou a decisão de "mesquinha". "Colocar órgãos como a Casa de Rui Barbosa, a Biblioteca Nacional, o IPHAN, a Fundação Palmares, o IBRAM e a Funarte sob a batuta do Ministério do Turismo, é de uma visão tão pequena, tão mesquinha. Fala-se muito que somos "Um país sem memória". Assim seguiremos. Cada vez com menos", escreveu no Twitter.

Roberto Freire disse, também nas redes sociais, que "realmente a Cultura para o governo Bolsonaro é um estorvo".

A atriz Patrícia Pillar também comentou a transferência. "Um país que não valoriza sua cultura é um país sem rosto. Assim, o Brasil vira as costas ao que o povo brasileiro tem de mais original, sua personalidade e sua história. Triste Brasil..."

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.