A crise que domina o setor cultural brasileiro ganhou novos e polêmicos episódios nas últimas semanas. O anúncio da nomeação de Roberto Alvim para assumir o cargo de secretário especial de Cultura do governo federal caiu como uma bomba no meio artístico devido ao perfil político de extrema-direita do dramaturgo paulista. A mudança da pasta que saiu do Ministério da Cidadania para o Ministério do Turismo também não agradou representantes do segmento. O cenário local tem sofrido as consequências do que ocorre na esfera federal. Em Londrina, artistas e produtores culturais travaram uma luta contra a censura a um espetáculo do Filo (Festival Internacional de Londrina) que acabou virando caso de polícia após ser apresentado no Colégio Hugo Simas.

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. | Foto: Marco jacobsen

Desde que o presidente Jair Bolsonaro extinguiu o Ministério da Cultura (MinC) no início de seu mandato, Roberto Alvim é o terceiro nome a assumir o comando da pasta. Trabalhando como diretor de teatro desde os 18 anos, o dramaturgo paulista escreveu mais de 20 peças, foi vencedor do Prêmio Bravo! Prime 2009 de Melhor Espetáculo Teatral de São Paulo, por sua encenação da peça “O Quarto”, de Harold Pinter, e recebeu três indicações ao Prêmio Shell, a mais tradicional premiação de teatro do País.

Criador do Club Noir, grupo teatral paulista, Alvim declarou apoio a Jair Bolsonaro ainda durante a campanha presidencial. Nomeado há alguns meses para comandar o Centro das Artes Cênicas da Fundação Nacional de Artes (Funarte), tem protagonizado diversas polêmicas junto à classe teatral. A mais notória envolveu a atriz Fernanda Montenegro, que foi chamada de "intocável" e "mentirosa", pelo dramaturgo.

Até mesmo nomes que apoiam a atual gestão presidencial ficaram reticentes quanto à sua nomeação para a pasta de Cultura, a exemplo da atriz Regina Duarte que declarou nas redes sociais não aprovar a escolha.

Opinião que é compartilhada pela atriz e produtora cultural londrinense Maria Fernanda Coelho, que atua na produção do Festival Internacional de Londrina (Filo). “Acho que não foi uma nomeação técnica, e sim por afinidade política. Por um lado, entendo que isso é necessário por se tratar de um cargo de confiança. Por outro lado, é triste ver um homem de teatro atacando a própria classe”, afirma.

“A guerra cultural está deflagrada no País. Devemos retornar à grandeza do processo cultural. A arte e a cultura não devem ser planfletos de direita ou esquerda, mas sim processos voltados na sua totalidade para todos os públicos, idades e raças”, defende o pianista Marco Antonio Almeida, diretor do Festival Internacional de Música de Londrina.

Tentativa de censura

Maria Fernanda também vê com preocupação a posição de Alvim quanto à censura. “É preocupante quando ele diz que vai trabalhar por um teatro conservador. Essa leitura se mostra totalmente equivocada pois a arte é plural”, argumenta.

Um recente episódio de censura vivido em Londrina acabou motivando um ato em defesa da liberdade de expressão, da arte e da educação que terminou com um abraço simbólico que reuniu cerca de mil manifestantes em torno do Colégio Estadual Hugo Simas, no centro da cidade, na noite da última terça-feira (12). A direção da unidade escolar tem sido criticada depois que a mãe de uma estudante gravou um vídeo demonstrando indignação com peça "Quando Quebra Queima", que integrou a programação do Filo (Festival Internacional de Londrina) encenada na escola há duas semanas e visto, desde 2015, em várias cidades do País sem registrar nenhum problema.

Depois que um grupo de mães registrou um boletim de ocorrência no Nucria (Núcleo de Proteção à Criança e ao Adolescente) alegando que a peça teria incitado a violência e a depredação do patrimônio público, a equipe de diretores também decidiu registrar um BO alegando que está sofrendo graves ameaças de agressão.

Desmanche do setor

Diretor do Ballet de Londrina e fundador da companhia, Leonardo Ramos critica a recente mudança da Secretaria Especial de Cultura, que migrou do Ministério da Cidadania para o Ministério do Turismo. “Isso demonstra que a cultura é vista como um produto, uma perfumaria, e não como a identidade de um povo. O pior é que esse desmanche faz com que todos os projetos culturais tramitem de maneira lenta, sem nenhuma certeza de que serão realizados", reclama.